Sobre arte e valuation
Desde a virada do milênio as economias desenvolvidas vêm desempenhando com taxas de juros expressivamente baixas – algumas, inclusive, com juros reais negativos. Como efeito da abdicação da poupança pelo consumo, os investimentos alternativos – ex. fundos de private equity, venture capital e real estate – vêm expandindo e se sofisticando mediante maior demanda por ativos na economia real. Além destes, o processo de diversificação no portfólio fez com que investidores buscassem outros tipos de investimento – entre eles bens de consumo de luxo, como relógios, bolsas e mesmo... arte.
Ilíquido, pouco transparente, nada regulamentado e com medidas de valor um tanto nebulosas – assim poderíamos definir o mercado das artes visuais a nível global. Se Ronald Coase - prêmio Nobel de economia e autor do livro “A Natureza da Firma” – justifica a boa alocação de recursos se dá por baixos custos transacionais, o mercado da arte coloca todos os inputs em cheque: racionalidade limitada, grande especificidade de mercado e alto oportunismo são justificativas plausíveis para os bids exorbitantes em casas de leilões mundo afora.
Segundo o relatório do Art Basel com a UBS, em 2021, o mercado de arte global transacionou US$65,1 bilhões. Além disso, o desenvolvimento e maior liquidez dos tokens não-fungíveis (os NFTs) no ano passado fez com que os NFTs relacionados a arte acrescentassem mais US$2 bilhões a esta conta.
Em plena recuperação pós-pandemia até parte de 2021, o mercado de artes visuais se assemelhou bastante ao mercado de capitais. O movimento de rotação para ativos de risco, em função da alta liquidez, se estendeu aos leilões europeus: assim como as gigantes do índice Bovespa foram trocadas por small caps, o mercado de arte elegeu como favoritos os jovens artistas, com baixo track record e grande parte do valor na perpetuidade, em detrimento dos Van Goghs. O motivo é muito simples e muitos de vocês já sabem: maior risco carrega consigo potencial de valorização.
Depois de pintar e bordar (rs), os bancos centrais mundo afora começaram a elevar as taxas de juros substancialmente, e um mercado cujos produtos pareciam ser bem próximos da inelasticidade vem, atualmente, enfrentando um fenômeno curioso: colecionadores não estão dispostos a pagar um preço tão alto pelas obras – ou em termos de mercado, o bid ask spread entre leiloeiros e clientes nunca esteve tão alto. Apesar disso, o valuation dos jovens artistas parece conseguir passar incólume a esse momento de desaceleração no mercado: segundo dados da Artprice, o preço das obras dos jovens artistas caminha para se equiparar com as blue chips da arte: Monet, Rembrandt e Klimt, por exemplo.
O processo de avaliação de obras de arte comporta algumas variáveis também semelhantes à avaliação de empresas: o comparativo com os peers; a liquidez; o quanto aquela obra está relaciona com os trending themes do mercado da arte (um equivalente aos temas de investimento que fazem parte da narrativa de mercado naquele momento), como o stablishment enxerga o artista por trás da obra (daí um paralelo com qualidade da governança) e a depreciação dos insumos, por exemplo.
O estudo de arte mostra definitivamente que aqueles que buscam ser especialistas em algo devem, antes de tudo, ser generalistas. Num primeiro momento, um marchand deve avaliar qual a data daquela peça, de quais materiais é feita e qual foi o esforço embutido naquele projeto (o nível de detalhes e a técnica, por exemplo). A partir de então, o avaliador buscará, com as informações disponíveis no mercado – inclusive aquelas levantadas por casas de research sobre o tema, como Artprice e Artnet –, a fim de compreender como o mercado precifica aquela obra e qual o valor intrínseco dela no longo prazo. O valuation de arte é, assim como a avaliação de empresas, um ofício.
Há quem defenda que o investimento em arte pode ser interessante para diversificação de portfólio – acreditem, existe extensa produção acadêmica sobre o tema. Neste artigo da Maddox Gallery vemos um exemplo empírico de value investing: uma obra sem título de Jean Michel Basquiat, datada em 1982 e leiloada em 1984 por US$19,000, foi novamente vendida num leilão da tradicional Christie’s em 2017, por um valor pouco maior que US$110 milhões.
Obviamente que Basquiat é, hoje, uma blue chip neste mercado. No entanto, é inegável que quem adquiriu sua obra a US$19 mil fez um excelente negócio. Alguém acreditou no potencial de valorização daquela obra alguns anos atrás. Ou tão somente a achou bonita, quem sabe. Mas é uma linda narrativa.
A conclusão? Nenhuma. Apenas pincelando a interseção entre as avaliações destes dois ativos.
Se arte é um bom investimento? Não sei. É coisa de “peixe grande”. Tem muita assimetria de informação. Parece mais um cassino que propriamente um investimento racional.
Mas essa história todos nós já ouvimos pelo menos uma vez na vida, né?
Obrigada por ler!