A proposta dessas entrevistas não é saber o que o entrevistado acredita que será do Brasil daqui a 5 anos, ou sua opinião política, ou qual a tese por trás da maior posição no portfólio da gestora de recursos.
O propósito aqui é entender o ponto de convergência entre o profissional (o que, claro, envolve o produto, a estratégia e as qualidades necessárias para exercer carreira no mercado); o empresário (qual cultura de empresa ele desenvolveu para a asset, o que é necessário para trabalhar ao seu lado, como se mitiga problemas de empresa como captação, risco e turnover); e a pessoa (seus hobbies, interesses e livros favoritos, por exemplo, porque isso também acaba moldando seu lado profissional e empresário, como já falamos neste post). Uma pessoa é o acúmulo de todas as suas vivências, lições, paixões, hobbies, conhecimento. Sua maneira de atuar na vida pessoal e profissional sempre terá uma interseção. É isso que queremos capturar nessas entrevistas.
Alfredo Menezes é sócio fundador, CEO e gestor da Armor Capital. Formado em administração de empresas, Alfredo acumula 34 anos de experiência trabalhando em tesouraria, sendo 19 deles como tesoureiro. Trabalhou 15 anos na tesouraria do Banco BCN, seguidos de mais 15 anos na tesouraria do Bradesco. Em 2016, abriu seu Family office e o manteve até 2019, quando fundou a Armor.
“ Antes fazia até mais (esportes radicais) [...]. Acho que tem ligação sim porque a adrenalina tem muito a ver com a emoção e com querer tomar risco, então isso sempre existiu na minha estratégia de investimentos e também na atividade física.”
Acumulando algumas histórias (e cicatrizes) envolvendo esportes radicais, motos e barcos, Alfredo é genuinamente um risk taker. A disposição a tomar risco transpõe para a identidade da Armor: uma gestora cujos produtos têm alta volatilidade em decorrência da agressividade nos investimentos. A armadura é uma analogia ao fato de, apesar do apreço por tomar risco, existe também uma grande preocupação com a proteção e preservação do patrimônio. Do nome Armor derivam os nomes dos fundos multimercado: Axe e Sword.
De uma origem muito simples, Alfredo começou sua carreira como officeboy numa corretora chamada Magliano. Depois disso, trabalhou como backoffice até chegar à tesouraria, onde concentra boa parte do seu tempo de mercado. Hoje, dando entrevistas em dezenas de veículos e podcasts acerca do tema, Alfredo é um nome que vem fácil à mente quando você pensa em câmbio. Um amigo que já tem alguns anos no mercado uma vez me disse: “quando o Alfredo trabalhava no Bradesco, uma coisa era certa, se ele tá numa ponta, quem está na outra está perdendo”. Essa frase, inclusive, me fez uma curiosa e posteriormente grande admiradora da carreira dele.
Espero que gostem da entrevista!
CS: Alfredo, uma frase sua que ficou muito marcada para mim foi em uma entrevista que você deu no Market Makers, em que você disse que nem sempre um bom tesoureiro vai ser um bom gestor. Por que você acha isso?
AM: O gerenciamento de posição de um tesoureiro e um gestor é muito diferente. O tesoureiro traça o cenário e monta posição proprietária em cima do cenário. Ele vai ser cobrado pelos seus pares acerca do cenário que ele traçou, se está correto ou não. Não importa o resultado de curtíssimo prazo. Sendo gestor de fundo, se você acerta o cenário, mas erra o timing, você vai tomar resgate. Não dá para explicar para o cotista todos os dias qual é seu cenário, qual o seu racional. Uma tesouraria sempre monta uma posição pensando a médio e longo prazo. O fundo, quando monta a posição, tem que se preocupar também com o momento de entrar e de sair daquela posição. Timing é muito importante.
CS: Você sempre quis ser gestor?
AM: Não, nunca foi objetivo... Meu objetivo era cuidar do family office, não ter gestora. Aí surgiu a reforma tributária e a taxa (Selic) a 2%... Ficou interessante abrir um fundo com uma volatilidade mais alta e também um fundo de previdência, que virou um produto interessante com a reforma. A maioria dos fundos de previdência dos bancos rende 80% do CDI, então quisemos fazer um produto que fosse diferenciado.
CS: E seguindo essa mesma linha, quais são para você as competências que deve ter um bom gestor e as competências enquanto o dono de uma asset?
AM: Obviamente você tem que ter conhecimento sólido em mercado financeiro e economia... Como gestor de pessoas você tem que ter uma boa equipe e uma equipe que seja forte nos seus pontos fracos. Cada pessoa tem uma qualidade e um ponto fraco. É importante saber quais são seus pontos fracos e ter uma equipe que complemente suas habilidades. Além disso... Acho que o networking também é muito importante. Ter relacionamento profissional com pessoas que têm outras competências. Isso possibilita uma troca com pessoas que estão em outros setores que você não atua bem, não domina e não conhece.
CS: Tem algum erro que você considere bastante comum, mesmo entre os gestores mais experientes?
AM: : Um erro comum... Achar que a autoridade monetária vai fazer o que você acha que deveria ser feito. As pessoas tendem a tomar posição achando que elas vão fazer o que a gente acha que é certo. Precisa analisar quem é a pessoa, se tem a mesma visão que você... Porque é bastante normal, entre trocas de ministérios e de presidentes dos BCs, os gestores sofrerem um pouco até conhecer o perfil de cada um. A gente não tem que montar posição conforme o que a gente acha que é certo fazer, e sim em como aquela pessoa vai atuar e como o mercado vai reagir a isso.
CS: Ainda falando um pouco sobre competências... O que uma pessoa tem que ter para trabalhar com você? Como você identifica e como você retém novos talentos?
AM: Tem que estar comprometido com a empresa e ter vontade de vencer. Eu prezo muito pelo nosso ambiente de trabalho, mesmo porque a gente passa a maior parte do tempo da nossa vida trabalhando. Imagina passar a maior parte do tempo num lugar que você não gosta? Se o ambiente não for bom é castigo, não é trabalho. Eu gosto muito do que eu faço, sabe, Clarinha? Acho que vou morrer operando. O ambiente incentiva a pessoa a trabalhar, diminui o turnover, aumenta o potencial de crescimento. Além disso, eu sempre quis formar o profissional que entra aqui na Armor. Porque quando a pessoa vem pronta, especialmente para o trading, é difícil contornar os vícios que a pessoa já tem quando está operando.
CS: E com certeza tem algumas competências específicas que têm que estar alinhadas com a estratégia de vocês, né? Como você definiria o DNA da Armor?
AM: Especialista em câmbio, principalmente. Volatilidade também é uma parte do nosso DNA. A gente busca sempre oportunidade de curto prazo, precisa tomar decisão rápido e opera muito no intraday. Claro que o intraday é desafiador, a gente sabe o quanto é difícil, mas com 40 anos de experiência acho que desenvolvi alguns modelos que acabam ajudando... Então diria que esses dois. Moedas e volatilidade. São nosso DNA.
CS: Eu gosto muito de fazer essa pergunta porque a gente consegue ver às vezes como a identidade daquela gestora tem uma interseção com a identidade do gestor-fundador. Claro que a especialidade em câmbio tem a ver com sua trajetória profissional (como tesoureiro com foco em dólar), mas essa parte de vocês terem uma estratégia que envolve muito giro e volatilidade... É curioso porque você também tem essa afeição por risco até nos seus hobbies, pelo que eu acompanho no Twitter, né? Você acha que existe essa ligação?
AM: Ah, com certeza. Eu pratico motocross, faço rali de moto, esportes mais radicais. Antes fazia até mais, mas agora depois de velho faço mais esses (risos) . Acho que tem ligação sim porque a adrenalina tem muito a ver com a emoção e com querer tomar risco, então isso sempre existiu na minha estratégia de investimentos e também na atividade física.
CS: E qual é a maior dificuldade que você enfrenta como empresário, tendo que se preocupar com uma série de questões além da gestão dos fundos?
AM: O lado mais difícil... Para mim a parte comercial. Eu nunca fui um cara comercial. Sempre estive do outro lado da bancada. Além disso, numa tesouraria você tem toda uma estrutura e muitas pessoas trabalhando. Numa gestora que é menor você tem que fazer de tudo. Não é necessariamente uma dificuldade, mas numa empresa grande você tem uma estrutura enorme, especialistas em um monte de coisa. Nessa posição numa gestora menor, você tem que colocar a mão na massa mais vezes e fazer um pouco de tudo.
CS: Você acha que hoje atingiu seu maior sonho profissional, Alfredo?
AM: Não, de maneira nenhuma. Meu sonho ainda é perpetuar a empresa, ver a equipe crescendo profissionalmente. Da minha parte, eu sempre acho que posso melhorar. Costumo falar que o bem que me faz ganhar 100 unidades não compensa o mal que me faz perder 10. Me cobro demais em termo de resultado. É engraçado, porque quando eu tinha o Family Office, não me preocupava tanto. Agora eu sinto muito maior o peso da responsabilidade pelo comprometimento com os meus cotistas.
CS: Nesse tempo de mercado, qual foi a situação mais estressante que você passou como gestor de recursos e como você contornou?
AM: Com certeza a crise da Ásia. Foi uma crise longa e a gente não tinha todas as ferramentas que a gente tem hoje para tomar decisão, essas agências de notícias online extremamente eficientes, que divulgam os fatos de maneira instantânea etc. A internet era bem lenta, a informação chegava bem depois. Era estressante porque não via uma ferramenta que você pudesse se informar daquela movimentação no mercado em tempo hábil.
CS: E hoje olhando para esses quarenta anos de mercado, tem algo que você diria para o Alfredo lá no comecinho da carreira?
AM: Não diria nada, sabia? O que eu não consegui na minha vida, ainda bem que não consegui. Não sei se você acredita em destino, mas acho que ele me ajudou muito. Quando eu tinha 21 anos, já estava casado, com filho chegando, e era operador trainee. Prestei concurso para ser auditor fiscal na Bahia para ganhar 3x mais do que eu ganhava no BCN. Estudei muito direito tributário, estudei uma série de coisas necessárias para o concurso. Passei em quadragésimo quarto lugar, sendo que 42 pessoas seriam aceitas. Quase chorei. Passados uns anos, no governo Collor, esse conhecimento em direito tributário acabou beneficiando meu trabalho no Banco, porque vinham uma série de medidas que precisavam de um curso de ação rápido. Acabei evoluindo muito rápido, fui promovido várias vezes num período de 2 anos. Aí, quando me chamaram lá na Bahia, eu já ganhava quase o dobro do que o salário de auditor fiscal. Então, se eu tivesse ido, seria hoje um auditor fiscal, teria um patrimônio bem menor, faria algo que não gostava... Então vendo isso, é difícil dizer o que eu falaria para mim mesmo. Talvez “deixa o destino correr, não tenta lutar contra”. Acredito hoje olhando para trás que as coisas aconteceram da maneira que tinham que acontecer.
CS: Por fim, Alfredo, me fala três livros que mudaram sua vida.
AM: Primeiro acho que eu indicaria o Novo Testamento da Bíblia inteiro, e também o livro Deuteronômios no Antigo Testamento, acho que ali tem muita sabedoria implícita para a vida pessoal. Segundo, o Axiomas de Zurique, não que eu concorde 100% com ele, mas tem alguns pontos muito importantes. E por fim qualquer coisa do Affonso Celso Pastore.
Queria agradecer muito ao Alfredo pelo tempo e disponibilidade de tirar uma horinha pra falar comigo, e também agradecer a você por ter abdicado de uma fração dos eu tempo para me apoiar nesse projeto.
Estamos de volta.
Obrigada por ler!
Excepcional, ansioso para os próximos!
Boa leitura. Entrevista com bom conteúdo. Parabéns.