Meus doces, bom dia.
Super honrada e feliz de começar essa série de entrevistas. É um projeto que eu já queria tirar do papel há alguns meses, mas em decorrência de 2022 (que foi um ano repleto de mudanças do ponto de vista pessoal, acadêmico e profissional para mim), acabou sendo deixado em segundo plano.
A proposta dessas entrevistas não é saber o que o entrevistado acredita que será do Brasil daqui a 5 anos, ou sua opinião política, ou qual a tese por trás da maior posição no portfólio da gestora de recursos.
O propósito aqui é entender o ponto de convergência entre o profissional (o que, claro, envolve o produto, a estratégia e as qualidades necessárias para exercer carreira no mercado); o empresário (qual cultura de empresa ele desenvolveu para a asset, o que é necessário para trabalhar ao seu lado, como se mitiga problemas de empresa como captação, risco e turnover); e a pessoa (seus hobbies, interesses e livros favoritos, por exemplo, porque isso também acaba moldando seu lado profissional e empresário, como já falamos neste post). Uma pessoa é o acúmulo de todas as suas vivências, lições, paixões, hobbies, conhecimento. Sua maneira de atuar na vida pessoal e profissional sempre terá uma interseção. É isso que queremos capturar nessas entrevistas.
O nome Compounders não é só por entrevistar sócios fundadores e/ou gestores de fundos de investimentos (que, naturalmente, são pagos para preservar e aumentar o patrimônio através da seleção e alocação de ativos) mas também porque acredito que exista um efeito de compounding entre suas experiências como profissional, empresário e pessoa.
Natural de Goiânia (GO) e formado na POLI-USP em Engenharia Elétrica, João Luiz Braga começou sua carreira no mercado em 2004, na GP Investimentos, pioneira em private equity no Brasil fundada por Jorge Paulo Lemann. Em 2005 foi analista na Hedging-Griffo, onde trabalhou por quase 10 anos. Começou o contato com gestão de fundos em 2009 na mesma empresa, acumulando quase 14 anos de experiência. Em 2015, Braga foi convidado para tocar um fundo na asset da XP Investimentos, e, por fim, saiu da gigante da Faria Lima em 2020 para tocar seu próprio negócio: a Encore Asset Management.
“Eu queria alguma coisa relacionada com fábrica, porque pensava em algo que remetesse a uma ‘fábrica de analistas’ (risos) Acabou que ficou Encore, que tem a ver com música que eu adoro, e tem a ver com a identidade da gestora também”
Braga tem afeição pela música e toca guitarra, violão, teclado, baixo e piano (ufa!), além de já ter tido uma banda chamada We Hate Our Drummer, onde ele era baterista (rs). O encore é quando, ao encerramento do show, a plateia pede para que a banda volte ao palco para tocar mais uma música (mais um!). É a melhor parte do show. A ideia de repetição da palavra francesa, segundo Braga, também se relaciona com a ideia por trás dos processos da asset.
Conhecido pela sua obsessão pelo estudo do behavioral finance (âmbito da economia que estuda os efeitos da psicologia em anomalias e assimetrias no mercado), Braga é um profissional cujo nome vem fácil à nossa mente quando pensamos no estudo dos vieses comportamentais. O WYSIATI, acrônimo criado por Daniel Kahneman, é uma palavra que Braga sempre repete nas suas redes sociais e entrevistas. Segundo ele, a frase “what you see is all there is” é um viés cognitivo que demonstra que você toma uma decisão a partir das informações que você tem disponíveis - o que você consegue ver. E o que você consegue ver nem sempre é a realidade concreta.
O WYSIATI tem uma relação muito próxima com a gestão de portfólio. Quando se realiza um processo de stock picking, é importante se levar em consideração que você está tomando uma decisão a partir das informações que você tem disponíveis e tentando criar coerência entre todas as informações que você tem à sua disposição. A tomada de decisão em conjunto mitiga parte desse processo, na medida em que cada um vai acrescentar uma perspectiva diferente a partir de seus vieses e tendências - além de apontar os vieses dos outros, o que também ajuda a tomar uma decisão mais racional.
“Quanto mais eu estudo, mais eu percebo que o que eu faço é 60% psicologia. Mitigar os vieses é bem mais difícil que modelar uma empresa.”
CS: O que você acha que é parte da identidade da Encore em termos de gestão de pessoas?
JLB: Aqui a gente é obcecado por processos. Uma vez por mês a gente se reúne pra discutir todos os processos da empresa, das premissas ao back. Toda sexta-feira 18h00 a gente tem uma reunião que a gente chama de TGIF (Thank God It 's Friday), dura uns 20 minutinhos, onde a gente fala o que a gente fez ao longo da semana e o que a gente pretende fazer na semana seguinte. Por que você acha que a gente faz isso?
CS: Não sei. Por que?
JLB: Porque quando você estabelece um compromisso na frente dos outros, é mais provável que você cumpra. Se você quer começar uma dieta, um esporte novo, qualquer coisa, torne seu compromisso público. Isso aumenta a produtividade da equipe. É uma coisa muito simples mas que gera retorno. Outra coisa é que nas nossas reuniões a gente fica atento para cortar opinião que não agrega em nada, obviedades. Se alguém diz ‘ah, se houver irresponsabilidade fiscal, bancos vão cair’, é uma obviedade. Não agrega pra discussão. Ou por exemplo quando a discussão não são pessoas de fato trocando ideias, mas falando intercaladamente sem escutar. A gente suspende a discussão. São esses processos… A ideia é a gente cometer erros novos para aprender com eles, e evitar os erros antigos.
CS: E do ponto de vista individual, quais você acha que são as maiores habilidades que um gestor deve ter?
JLB: Evitar cair nos vieses comportamentais, antes de tudo… Quanto mais eu estudo mais eu percebo que o que eu faço é 60% psicologia. Mitigar os vieses é bem mais difícil que modelar uma empresa. Acho que é importante não estar ‘indisposto’ a mudar de opinião, a mudar de ideia. Por que que o Stuhlberger é um gênio? Ele não tem vergonha de mudar de ideia. Quando eu trabalhei com ele, era normal vê-lo dizer uma coisa X pela manhã e dizer o exato oposto à tarde. Quando a gente questionava ele falava “ué… disse?” (risos). É preciso desenvolver em conjunto também, porque quando você cai num viés comportamental, você nunca percebe. As outras pessoas percebem por você. É por isso que tem que saber trabalhar em conjunto.
“Analista tem que ser street smart. Se o papel tá caindo e eu não sei porquê, eu não vou botar a mão. ‘Ah, mas tá barato’. E daí? Qual o trigger?”
CS: Ser gestor de um fundo sempre foi um objetivo pra você? Ou foi um processo meio orgânico?
JLB: Não…Eu me intitulo um analista, não um gestor. Honestamente, acho isso de o gestor no Olimpo e o analista no inferno uma ‘bullshitagem’. Perdi um excelente analista em outro lugar por conta disso. Eu quero a discussão, a união e uma equipe que me conteste, por isso me intitulo como analista generalista e não como gestor. Aqui a gente tem 3 analistas com viés quant, 8 analistas especialistas (que cobrem alguns setores) e eu e o José (Eduardo Sebastião) somos os analistas generalistas. Todos no mesmo patamar para estimular o debate.
“Pessoas são influenciadas por fatores comportamentais e vieses cognitivos. Compreender e agir sobre estes aspectos é uma vantagem competitiva”
(Axioma da Encore)
CS: Tem alguma situação que você lembre desde o início da sua carreira como gestor de recursos que foi muito estressante e que também te trouxe um grande aprendizado?
JLB: Foi no dia 1 de outubro de 2018. Minha maior posição no fundo (Qualicorp) caiu 30% num único dia. E não foi um dia tipo “todas as ações caíram” ou “todos os papéis do setor caíram”, foi só a Qualicorp por um problema de governança. Naquele ano, dois amigos perderam a asset, mandaram todo mundo embora e fecharam as portas, porque também tinham uma posição relevante num outro papel - mas a deles era 20% do PL do fundo e a minha era apenas 10%. Essa foi uma grande lição para mim. Naquele dia, quando acabou o pregão, mandei um e-mail para todos os cotistas explicando o que havia acontecido, mandei a prévia das cotas, qual seria o impacto no fundo. Saiu em tudo quanto é jornal. Obviamente precisou depois de um course of action, a gente acabou sendo ativista naquela questão da empresa. O papel foi de R$17 para R$12 e depois para R$40. Foi um problema que foi transformado numa oportunidade.
CS: E o que você diria pro João Braga mais novo, que tinha acabado de começar a carreira no mercado?
JLB: Eu era um cara muito purista. Bem value investor raiz, mesmo... Com o tempo, aprendi que analista tem que ser street smart. Se um papel está caindo e eu não sei porquê, eu não vou botar a mão. ‘Ah, mas tá barato.' E daí? Qual o trigger? O que vai fazer ele subir? Tem que estudar, conversar com pessoas para saber porque ele está caindo e se tem perspectiva de mudar. Daí sim, você começa a desenhar uma decisão.
CS: O que uma pessoa tem que ter para trabalhar com você? Como é seu processo seletivo para contratar alguém?
JLB: Quando as pessoas contratam alguém, as pessoas tendem a olhar a competência apenas. O que não é errado, claro que você quer um cara competente. Mas a gente tem outro critério que é a ‘gentebonice’. A gente quer um cara gente boa. Essa ideia veio de um paper de Harvard que li… Imagina quatro quadrantes. Tem o cara que é incompetente e mala. Esse tá fora. Tem o cara incompetente e gente boa. O paper chama de ‘lovable fool’. Esse é foda, porque você gosta dele. Mas não vai trazer resultado e a gente precisa fazer o que é melhor pra empresa. Tem o cara competente e mala, o ‘competent jerk’. Esse a gente tende a relevar, mas no longo prazo ele atrapalha a equipe como um todo. E tem o ‘lovable star’, esse é o que a gente mais busca aqui dentro.
CS: Por que?
JLB: Porque ele gera resultados de longo prazo. Quando você tem uma equipe de gente boa, você quer ficar aqui.
CS: Isso já entra em outra pergunta… como você diminui turnover na sua equipe?
JLB: É justamente isso. Quando você avalia não só a competência mas também a ‘gentebonice’, você retém a equipe porque a maneira que ela se sente dentro do ambiente de trabalho pesa na tomada de decisão.
CS: Você acha que hoje você já atingiu todos os seus sonhos profissionais?
JLB: Não… Acho que não… A gente não quer ser o melhor fundo do Brasil no curto prazo, porque pra isso você tem que correr o risco de ser o pior. Mas se você entrega seu trabalho com consistência, tá sempre ali no primeiro quartil, no longo prazo você invariavelmente vira um dos melhores. Então nosso objetivo de curto prazo é estar ali no primeiro quartil, mas não ser o melhor necessariamente.
CS: Do ponto de vista pessoal… Além da persona gestor, empresário. Quem é João Luiz Braga?
JLB: Goiano, simples… Gosto dos meus amigos, família, e amo muito o que faço da vida tanto que decidi que vou fazer pra mim e pros clientes que quiserem vir junto por muito tempo ainda da minha vida.
CS: E por fim, me fala três livros que estão entre os que mudaram sua vida.
JLB: Rápido e Devagar (Daniel Kahneman), Extreme Ownership (Jocko Willink, Leif Babin) e The Most Important Thing (Howard Marks).
Queria agradecer ao Braga pelo tempo dele, por ter aceitado meu convite e, também, agradecer a você pelo seu tempo e por fazer parte desse projeto comigo.
Obrigada por ler!
Muito bacana! Sei que não é a intenção ser um podcast (e que dá mais trabalho), mas sigo algumas newsletters gringas que fazem uma versão "podcast" e pode te ajudar com a visibilidade também. Enfim, de qualquer forma, parabens pelo trabalho :D
Incrível!