A proposta dessas entrevistas não é saber o que o entrevistado acredita que será do Brasil daqui a 5 anos, ou sua opinião política, ou qual a tese por trás da maior posição no portfólio da gestora de recursos.
O propósito aqui é entender o ponto de convergência entre o profissional (o que, claro, envolve o produto, a estratégia e as qualidades necessárias para exercer carreira no mercado); o empresário (qual cultura de empresa ele desenvolveu para a asset, o que é necessário para trabalhar ao seu lado, como se mitiga problemas de empresa como captação, risco e turnover); e a pessoa (seus hobbies, interesses e livros favoritos, por exemplo, porque isso também acaba moldando seu lado profissional e empresário, como já falamos neste post). Uma pessoa é o acúmulo de todas as suas vivências, lições, paixões, hobbies, conhecimento. Sua maneira de atuar na vida pessoal e profissional sempre terá uma interseção. É isso que queremos capturar nessas entrevistas.
Luciano Boudjoukian França iniciou sua carreira em 2005 no Banco BBM, onde foi responsável por originar e gerir operações de crédito e derivativos. Foi responsável pela área de M&A e Relação com Investidores de Projetos na Even Construtora e Incorporadora S/A. É sócio-fundador da Avantgarde Asset Management, gestora especializada em fundos de investimento sistemáticos. Formado em Economia pela FEA-USP, pós-graduado em Finanças e Mestre em economia pelo Insper.
CS: Luciano, me conta um pouco da sua trajetória no mercado.
LF: Clara, meu interesse no mercado de ações remonta à época do colégio. Em 1999, vi uma propaganda do Valor Econômico em que, ao assinar o jornal, você ganhava um Palm Pilot. Para os que são mais novos, o PalmPilot era um Ipad da época. Eu queria o Palm, não o jornal, e convenci meus pais de que a assinatura era uma boa oportunidade. Quando o jornal começou a chegar, eu dava uma olhada, pela curiosidade. Certo dia, no caderno de finanças onde estavam as cotações das ações, vi um ativo que subia quase todo dia: PLIM4. Novamente, precisei convencer meus pais de que era um bom ativo, e meu pai me emancipou para poder abrir conta em uma corretora. Na época, abri na Griffo. Obviamente, com o estouro da bolha no início dos anos 2000, perdi bastante em PLIM4 e busquei me aprofundar no tema. Fiz faculdade de economia na FEA-USP e, na sequência, uma pós-graduação em finanças no Insper. Ainda na faculdade, meu primeiro emprego foi no Banco BBM, onde entrei como estagiário e permaneci até a crise de 2008. Depois, trabalhei no banco de ex-diretores do BBM, o CR2. Tive uma trajetória curta e resolvi mudar de lado da mesa. Passei a liderar a parte de operações estruturadas na Even, reestruturando o passivo da companhia com emissões de dívidas estruturadas. Ainda na Even, tornei-me responsável pela área de M&A de projetos, para co-incorporação com fundos e outras incorporadoras. Em 2013, em um dos almoços que realizava periodicamente com Mário Avelar, que foi meu colega de pós no Insper e atualmente é meu sócio na gestora, conversamos sobre a possibilidade de desenvolver uma estratégia de formador de mercado de opções ilíquidas. Era um negócio que estava restrito aos grandes bancos devido à sua capilaridade na distribuição de estruturas na rede privada. Imaginamos que esse processo seria difundido pelas corretoras independentes e pelo modelo de AAI. Resolvemos testar a estratégia por um ano, e em 2015 iniciamos nosso primeiro fundo na gestora. Em 2016 e 2017, dediquei-me a um mestrado em economia, onde defendi uma tese sobre o fator de baixa volatilidade aplicado ao Brasil, e isso foi talvez um dos gatilhos para o início dos fatores na gestora
CS: Por que Avantgarde?
LF: Diferentemente do que eu sempre imaginei, escolher o nome de uma empresa, ou dos filhos, é uma tarefa nada trivial. A exceção seria se a empresa ou o filho fosse apenas seu, mas geralmente é uma decisão conjunta.
Passamos por diversos nomes possíveis até que, em uma ocasião, o Mário estava na Alemanha e viu o nome Avantgarde naquelas placas douradas na porta de um edifício comercial antigo. Eu tinha um carro na época cujo pacote de personalização era Avantgarde e gostei da ideia, principalmente por causa do carro.
Obviamente, não podíamos nomear a empresa simplesmente por causa de um modelo de carro ou porque soava bonito. Então, resolvemos entender mais a fundo o que era Avantgarde.
Avantgarde é uma palavra de origem francesa (em português: vanguarda) que representou, principalmente no início do século XX, os movimentos artísticos que eram inovadores e que desafiavam modelos pré-existentes.
Como nossa proposta para gestão era uma ideia inovadora, adotamos Avantgarde. E curiosamente, sempre procuramos ser vanguardistas no que refere-se a gestão.
CS: O que você pensou quando fundou a Avantgarde em termos de modelo de gestão? Sempre foi factor?
LF: No início, como salientei anteriormente, nos posicionamos como formadores de mercado de opções ilíquidas, com o foco em atender as corretoras independentes.
Entretanto, boa parte do processo de gestão de um book de opções pode ser sistematizado. Na nossa busca por sistematização de processos de gestão, em um evento da Bloomberg sobre sistematização de portfólios, conhecemos uma gestora americana que apresentou a tese de fatores aplicada. Isso ocorreu em 2015. Achamos interessante e começamos a testar algumas coisas, mais para conhecer do que para implementar. Ninguém empregava fatores de maneira sistemática e pura no Brasil naquela época.
A intensificação da concorrência interna em algumas delas e o trabalho comercial para captar e originar as estratégias de opções ilíqudas, inviabilizaram a escalabilidade no médio prazo. Em função disso, começamos a nos dedicar mais ao estudo do mundo de fatores e a experimentar alguns modelos no fundo que geríamos, já no início de 2017. No final de 2018, chegamos à conclusão de que o produto estava bem modelado e pronto para ser um long only de destaque. Nessa época, tomamos a decisão de lançar um novo veículo e focar exclusivamente na gestão de um book de fatores.
CS: E falando agora um pouco sobre factor. A gente sabe que um modelo multifatorial varia de cada gestor, de selecionar quais fatores são mais importantes. Às vezes o modelo de um gestor vai priorizar value e momentum. Outro vai ter carry e qualidade … Quais são os fatores que vocês utilizam no processo de decisão de vocês? Como é feita essa seleção?
LF: Sem dúvida, cada gestor, independentemente do modelo de gestão, seja ele baseado em fatores ou tradicional, pode ter um estilo particular na sua abordagem. Nós exploramos cinco classes de fatores: valor, momentum, qualidade, carry e baixa volatilidade. Atualmente, temos 12 modelos em nosso long-only, e nenhum deles depende de um único fator no processo decisório. Obviamente, podemos enfatizar um fator em cada modelo, mas todos são regulados pelos demais de alguma forma. Alguns fatores que ajudam a melhorar a relação risco-retorno tem retornos absolutos menores enquanto fatores que aprimoram a TIR do investidor, tem maior risco. No fim das contas, buscamos integrar todos os fatores em nosso portfólio, com ativos de qualidade, baixa volatilidade, com boa geração de caixa (carry), que sejam baratos (valor) e estejam em uma tendência de alta (momentum).
CS: E você procura aqueles papéis que estão equilibrados em todos os fatores ou por vezes se expõem a um papel que está bem concentrado em um único fator? Porque alguns fatores são pró cíclicos, ‘value’ por exemplo se beneficia mais de um momento de mercado mais positivo… Como se escolhe esses fatores?
LF: Na prática, o papel atua como um meio de nos posicionarmos em um fator. Por isso, a diversificação é benéfica no modelo de gestão de fatores, pois diminui os riscos específicos das companhias. É como se eu quisesse me posicionar no setor bancário e, ao invés de comprar um banco específico, adquirisse todo o setor. O mesmo se aplica aos fatores. Contudo, alguns ativos têm exposição maior a diversas classes de fatores do que outros, e isso naturalmente faz com que esse ativo tenha um peso mais no portfólio do fundo do que aquele com menor exposição.
Como você bem colocou, alguns fatores têm melhor desempenho em determinados momentos do mercado, enquanto outros se destacam em momentos diferentes. São características inerentes a cada grupo de fatores. De uma forma simples, fatores mais defensivos performam melhor em mercado de queda e fatores mais agressivos capturam melhor os movimentos de alta.
Entretanto, os principais gestores de fatores do mundo são cautelosos quanto à tentativa de aplicar alguma metodologia de factor timing. O problema reside em definir, de maneira sistemática (ou até mesmo discricionária), em qual parte do ciclo de mercado estamos e para onde estamos indo. Com base nessa premissa, nossos modelos são mantidos estáticos, com o objetivo de proporcionar a melhor consistência na relação risco-retorno de longo prazo durante todo o ciclo de mercado, sem qualquer julgamento subjetivo. A meta, a longo prazo, é maximizar a consistência do fundo, com controles claros das métricas de risco (por modelagem) e que permita ter retornos que nos posicione no primeiro quartil da indústria de ações e supere o benchmark.
CS: Investir por factor faz com que o processo de investimento seja mais simples em algum sentido, né? Depois que ‘pisca’ um papel no seu modelo, quais são os próximos passos? E como saber a hora de tirar o papel da carteira?
LF: Na realidade, o processo não é mais simples, mas sim mais objetivo e escalável do que o modelo mais artesanal. Quaisquer vieses e subjetividades são completamente eliminados do processo de investimento. Contudo, isso exige um maior esforço em pesquisa e desenvolvimento da nossa gestora.
Temos uma periodicidade claramente definida para realizar os rebalanceamentos dos modelos. No momento do rebalanceamento, os ativos mais bem classificados são substituídos pelos que receberam notas inferiores, por exemplo. Os papéis só entram e saem dos portfólios nessas datas específicas, e com uma frequência relativamente baixa. A vida útil de um ativo na carteira é de aproximadamente 9 meses.
CS: Por que você acha que a indústria, especialmente alocadores, tem dificuldade de entender do que se trata a gestão por factor investing aqui no Brasil, mesmo sendo algo já bastante difundido e respeitado na indústria de fundos lá fora?
LF: Eu acredito que, nos últimos anos, o mercado para modelos de gestão alternativos tem ganhado espaço. No entanto, existem desafios relacionados ao timing.
Fomos pioneiros no universo do factor investing, e iniciamos nosso principal fundo há aproximadamente 4 anos. Durante esse período, enfrentamos, desde o final de 2021, um ciclo de aperto monetário, acompanhado de um aumento na aversão a ativos de risco, o que impactou toda a indústria de fundos, principalmente aqueles voltados para exposição a ações.
Portanto, acredito que os fundos de fatores desempenharão um papel importante nos portfólios dos alocadores em um próximo ciclo de captação e rebalanceamento. Isso se deve principalmente ao fato de que a tese tem sido comprovada por um bom tempo, o que constitui uma das principais condições para que o alocador possa tomar decisões.
CS: Como você faz gerenciamento de risco?
LF: Um dos pilares na criação de um fundo de fatores é parametrizar risco. São regramentos que partem desde a modelagem do fundo, com observação de comportamento histórico de backtest e que é aprimorado com o fundo rodando. Na prática, temos limites pré-estabelecidos de concentração por papel, setorial e expectativas claras de exposição ao risco de mercado (beta) e nível de volatilidade do fundo em relação ao benchmark. Por ser sistemático e baseado em dados, o que é observado no fundo é quase que uma replicação do que foi parametrizado antes.
CS: Tem gestores lá fora que você admire ou considere uma referência?
LF: Existem diversos players de fatores nos EUA e Europa com um AuM respeitável. Nos EUA, por exemplo, há a AQR, que é mais famosa, pois publica diversos papers como parte do trabalho de pesquisa deles. Gerem cerca de USD 150 bilhões. A Dimensional tem Eugene Fama e Kenneth French como membros do conselho de administração. São os autores do principal paper de fatores, em 1993, após o CAPM de William Sharpe. Possuem sob gestão mais de USD 600 bilhões. Vale mencionar também a Robeco e a Man.
CS: Tem algo que você diria para si mesmo quando estava montando a asset, considerando a trajetória até aqui?
LF: Nossa, diversas coisas. O caminho para nós sempre foi mais difícil. Somos outsiders no mercado de gestão. Sem tracking record em outras gestoras, com uma estratégia completamente desconhecida até então e com os desafios extras inerentes ao mercado de fundos. Felizmente, 4 anos depois de iniciarmos esse projeto de fatores, estamos entre os 10% melhores fundos da indústria e com um AuM que facilita nossa conversa com novos alocadores.
CS: Por fim, me fala três livros que mudaram sua visão de mercado ou de mundo.
LF: Olha, eu já fui um leitor mais assíduo, antes dos meus filhos nascerem. Hoje consigo evoluir pouco na leitura sem que alguém me interrompa. Um dos livros que já li algumas vezes, que é uma ficção sobre o mercado financeiro, mas é fascinante, foi “Os Mercadores da Noite” do Ivan Sant’Anna. Outro, cuja história é uma lição para quem faz gestão, é "When Genius Failed", sobre o LTCM, escrito por Roger Lowenstein. Por fim, outro livro que me marcou bastante foi o primeiro livro que li sobre o tema de fatores e/ou anomalias e que me cativou a explorar mais esse mundo: "The Handbook of Equity Market Anomalies: Translating Market Inefficiencies into Effective Investment Strategies", do Leonard Zacks.
Queria agradecer ao Luciano pelo seu tempo e disponibilidade, e por me permitir falar um pouco sobre a Avantgarde, e agradecer a você por dedicar uma parte do seu tempo para esse projeto.
Obrigada por ler!
Clara Sodré
Excelente entrevista com resposta precisas. Parabéns para ambos!
Muito boa a entrevista. Importante: Pergunta boa, resposta também. Parabéns!