A proposta dessas entrevistas não é saber o que o entrevistado acredita que será do Brasil daqui a 5 anos, ou sua opinião política, ou qual a tese por trás da maior posição no portfólio da gestora de recursos.
O propósito aqui é entender o ponto de convergência entre o profissional (o que, claro, envolve o produto, a estratégia e as qualidades necessárias para exercer carreira no mercado); o empresário (qual cultura de empresa ele desenvolveu para a asset, o que é necessário para trabalhar ao seu lado, como se mitiga problemas de empresa como captação, risco e turnover); e a pessoa (seus hobbies, interesses e livros favoritos, por exemplo, porque isso também acaba moldando seu lado profissional e empresário, como já falamos neste post). Uma pessoa é o acúmulo de todas as suas vivências, lições, paixões, hobbies, conhecimento. Sua maneira de atuar na vida pessoal e profissional sempre terá uma interseção. É isso que queremos capturar nessas entrevistas.
Marcelo Augusto dos Anjos é gestor de fundo de investimentos e CEO na Concórdia Asset. Nascido em Itatiba, interior de São Paulo, Marcelo é formado em Direito pela USP com um MBA em derivativos pela BM&F, USP. e tem mais de 20 anos de experiência no mercado financeiro, sendo 15 deles em gestão de recursos.
“O mercado pode ficar ‘errado’, irracional, por mais tempo que você pode ficar solvente. E pode ser também que você esteja errado, não o mercado. Você tem que estar certo na hora certa. Estar certo na hora errada na gestão é exatamente a mesma coisa que estar errado”
O histórico de Marcelo no mercado financeiro o moldou a fazer o que hoje é o core do portfólio do fundo-mãe da Concórdia: trading de curva DI. Tendo trabalhado como trader de mesa de FICC e broker de renda fixa, Marcelo passou por uma trajetória de capacitação que culminou no seu atual ofício: ser CEO e gestor de um fundo cuja rentabilidade ultrapassa 1.000.000% desde o início da sua criação, em 2007.
Com um time enxuto e cultura de partnership, a Concórdia Asset conta com dois fundos, Raccoon e Harvest, que são expostos ao Concórdia TI, hoje fechado para captação. Além destes fundos, a asset também conta com um fundo de renda fixa, intitulado Concórdia Extra. Marcelo também participou da criação da corretora Necton, que hoje está no guarda-chuva de empresas do banco BTG Pactual.
CS: Marcelo, me conta um pouco da sua trajetória. Onde você trabalhou antes de ser gestor aqui na Concórdia?
MAA: Eu comecei trabalhando na Caixa, rodei um pouco por tudo antes de ser trader de renda fixa. Passei um tempo como backoffice, risco, mesa de price, para depois ir para a mesa de renda fixa. Foi uma experiência teórica muito boa, conversei com bastante gente… Depois fui para a Flow Corretora ser broker de renda fixa, antes de vir para a Concórdia em 2006. São 23 anos de experiência de mercado.
CS: E você sempre quis a carreira de gestão de recursos? Eu vi que sua formação é direito, né?
MAA: Trabalhar como gestor não era meu objetivo. Eu gostava de matemática e queria trabalhar com mercado. Mas não era o objetivo exatamente..
CS: E de início você veio administrar o fundo com capital proprietário, se não estou enganada, né? Mudou alguma coisa agora que o fundo é aberto?
MAA: Isso, em 2007. A pressão é maior, eu acho. Porque além disso tem dinheiro dos amigos, família… Quando você opera dinheiro dos outros, fica constantemente pensando nos seus amigos vendo a cota quando não está indo tão bem quanto deveria. Isso exige mais controle psicológico, eu acho.
CS: E você é um gestor que tem como foco operar DI… O que você acha que é mais necessário em termos de habilidades num gestor de fundos multimercados? Você acha que difere de um fundo de ações? Ou as habilidades são mais ou menos as mesmas?
MAA: Eu acho que gestores de maneira geral precisam estar bem informados sobre tudo que se passa no mundo, ter uma visão matricial, ter psicológico bem controlado… Sangue frio, sabe? Ter uma visão lógica e matemática muito boa. E se for um fundo que gira mais, ser rápido na tomada de decisão também é importante.
CS: Como o CEO da asset, o que você acha que é o mais desafiador?
MAA: Acho que é o ambiente negocial e jurídico brasileiro, que é muito incerto. Às vezes você tem uma situação que daqui 2 ou 3 anos pode mudar completamente em função de legislação, por exemplo, ou algo que vai te causar um prejuízo que você nem sabia que ia ter. Por isso acho que o mais importante nesse trabalho é ter um compliance que seja muito rígido, organizado, forte e detalhista.
CS: Aqui tem você e mais um gestor, né? Não tem nenhum júnior, estagiário?
MAA: Tem o (Marcelo) Brenha que trabalha comigo. Ele trabalhava na Flow, eu era broker de renda fixa e ele era broker de opções. Depois ele foi para a Merrill Lynch, trabalhou como trader de opções. Aí chamei ele para trabalhar aqui. A gente tem dois juniors também, mas eles não têm tomada de decisão como nós dois. Além do pessoal de back, compliance…
CS: E você não tem vontade de expandir o time?
MAA: Não, nenhuma. Acho que a gente toca bem assim.
CS: E em termos de objetivos e sonhos, se a asset tiver muito AuM (ativos sob gestão), não acha que vai precisar expandir a equipe?
MAA: Ah, não é um objetivo. Acho que quando a gente chegar perto de 1bi no fundo mãe, vamos ter que fechar o fundo para não comprometer a rentabilidade e vamos abrindo fundos espelho. Mas se expandir bastante, talvez contratar só mais um ou dois gestores. Acho que isso.
CS: Você acha que tem algum interesse pessoal seu que te ajuda no processo de gestão ou que tem alguma relação com mercado? Que complemente ou auxilie no processo de tomada de decisão, por exemplo?
MAA: Jogos de tabuleiro que envolvem probabilidade com uma parcela de sorte. O gamão por exemplo.
CS: Ah é, eu vi na bio no seu Twitter que você é professor ou algo assim?
MAA: (risos) Não, não sou!
CS: Ué, como não é? É tipo um meme? (risos)
MAA: É, tipo isso. Você já jogou?
CS: Não, nunca.
MAA: Então, se você jogar hoje pela primeira vez com o melhor jogador do mundo, tem uma probabilidade considerável de que você ganhe. Uma partida. Mas se você jogar 100 partidas, muito possivelmente você vai perder a esmagadora maioria. Eu acho que o mercado é um pouco assim também. No curto prazo você pode fazer um bom trade e pensar ‘nossa, sou um fodido, eu sou muito bom nisso’. No longo prazo, o que conta é sua consistência, o modo como você opera, se você toma as decisões de forma correta. As pessoas costumam dizer que o mercado é um xadrez, né? Mercado não é nem fodendo um xadrez. Porque xadrez é um jogo muito matemático e o mercado por princípio é caótico. Você não pode contar com a sorte e sim com uma estratégia, mas sabendo que existe sorte no curto prazo e você tem que ter inteligência para lidar com ela. Não é porque você acertou um trade no curto prazo que você é bom. Assim como não é porque você perdeu uma quantidade significativa de dinheiro no curto prazo que você é ruim. Acho que é por aí…
CS: Que demais essa analogia. E o que você acha que é o mais desafiador como gestor de portfólio e como empresário?
MAA: Ser gestor não é uma tarefa simples. Além da própria gestão de recursos de terceiros, a gestão de portfólio, se você assume o compromisso de ser dono do seu próprio negócio. Tem que abrir uma asset do zero, encontrar bons sócios - o que não é uma tarefa trivial. Tem que se preocupar com administrativo, burocracia, contas a pagar, qual é a governança, a imagem da gestora, captação, pitch do comercial, como levantar dinheiro, que tipo de profissional você quer ter do seu lado… É uma série de responsabilidades além da própria gestão da carteira.
CS: E sobre profissionais do seu lado, o time aqui da Concórdia é bem enxuto, né? Como mitiga turnover de equipe?
MAA: Por partnership, eu acredito. Todo mundo aqui é sócio do negócio e é ouvido na tomada de decisão.
CS: Tem algum conselho que você daria para você mesmo no começo da sua carreira no mercado?
MAA: Opera coisas que você entende. Não fica tentando inventar. Opera o que você entende.
CS: Tem algum gestor que você admire a trajetória no mercado?
MAA: Não sei se gestor, mas em geral o André Esteves. O início da fortuna que ele teve para construir o banco vem do fato de ele ser um exímio trader de DI. Possivelmente ele.
CS: Tem um erro que você acha que é bastante comum na carreira de gestão e que é bastante desafiador?
MAA: Teimosia. Insistir demais numa posição que tá dando errado, porque você acredita que você está certo. O mercado pode ficar “errado”, irracional, por mais tempo que você pode ficar solvente. E pode ser também que você esteja errado, não o mercado. Você tem que estar certo na hora certa. Estar certo na hora errada na gestão é exatamente a mesma coisa que estar errado.
CS: Por fim, me fala três livros que mudaram sua visão de mundo, de vida ou sua estratégia de investimentos?
MAA: Acho que todos os livros do Yuval Harari. Eu gostei muito deles (Sapiens, 21 Lições para o Século XXI, Homo Deus). Acho que citaria também O Andar do Bêbado e O Pequeno Príncipe. Esses são os principais.
Queria agradecer muitíssimo ao Marcelo pela disponibilidade e pelo tempo e, também, agradecer a você pelo seu tempo e por fazer parte desse projeto comigo.
Nos vemos!
Obrigada por ler!
Grande Fralda!
Excelente