A proposta dessas entrevistas não é saber o que o entrevistado acredita que será do Brasil daqui a 5 anos, ou sua opinião política, ou qual a tese por trás da maior posição no portfólio da gestora de recursos.
O propósito aqui é entender o ponto de convergência entre o profissional (o que, claro, envolve o produto, a estratégia e as qualidades necessárias para exercer carreira no mercado); o empresário (qual cultura de empresa ele desenvolveu para a asset, o que é necessário para trabalhar ao seu lado, como se mitiga problemas de empresa como captação, risco e turnover); e a pessoa (seus hobbies, interesses e livros favoritos, por exemplo, porque isso também acaba moldando seu lado profissional e empresário, como já falamos neste post). Uma pessoa é o acúmulo de todas as suas vivências, lições, paixões, hobbies, conhecimento. Sua maneira de atuar na vida pessoal e profissional sempre terá uma interseção. É isso que queremos capturar nessas entrevistas.
Rodrigo Heilberg é sócio fundador, gestor e CIO da HIX Capital. Heilberg tem mais de 10 anos de experiência na Trifil/Scala, negócio de sua família que foi vendido a um fundo de PE em 2010, e também é membro do Conselho de Administração da Sinqia desde 2016, totalizando quase 20 anos de carreira corporativa. Rodrigo é formado pela POLI-USP e tem mais de 10 anos de experiência como gestor de portfólio.
“Empresas são organismos vivos, então de certa forma você nunca vai poder falar “eu conheço essa empresa”. Você conhece aquele estado dela, com aquelas pessoas. Mas de repente sai um pessoal, sai um executivo, muda o mercado, muda a legislação, tem uma crise que a empresa precisa manejar. É um trabalho sem fim, mesmo.”
Vindo de uma família de empresários de um gigante da indústria de meias e roupa íntima no Brasil, Rodrigo e seu irmão Gustavo estavam quase que predestinados a se envolver no âmbito corporativo. O acaso os trouxe a um caminho um pouco diferente, mas se para Warren Buffett ser um executivo te torna um melhor investidor e ser um investidor te faz um melhor executivo, Rodrigo concatena ambas as funções com maestria.
O DNA proveniente da expertise em economia real com certeza ajuda Rodrigo no efeito compounding da sua trajetória profissional até o atual cargo de gestor de portfólio. “O fato de a gente ter conhecimento de como funciona o mundo de gestão de empresas é nosso diferencial”, diz ele na entrevista. Uma casa focada em investimentos em ações com mais de 10 anos de existência, a HIX hoje tem R$1,5bi de ativos sob gestão.
CS: Você não tinha sido gestor antes de fundar aqui, pelo que pesquisei, né? De onde veio essa vontade de trabalhar com gestão de recursos?
RH: Não fui… A história começou da seguinte forma: eu comecei um clube de investimentos com alguns amigos e trabalhava na empresa da minha família. Fiquei apaixonado pelo assunto e decidi que queria trabalhar com isso. Fui trabalhar na Skopos como analista e foi num momento super legal porque tinha umas 4 ou 5 gestoras que estavam indo super bem nessa época, a Skopos inclusa. Acabei voltando a trabalhar na empresa da minha família, assumindo alguns cargos até virar diretor financeiro entre 2007 e 2010, até que vendemos a empresa para o Carlyle. Quando vendemos, decidi que estava na hora de empreender de novo, alguma coisa nossa. Então eu chamei meu irmão (Gustavo Heilberg) para começar esse projeto junto. Em 2012 a gente abriu para clientes…Quando montamos o fundo de ações quisemos fazer uma partnership, porque ter sócio competente é a melhor forma de melhorar a base de talentos da empresa… E assim fomos, devagarinho…
CS: E qual você diria que é o diferencial de vocês?
RH: O fato de que a gente tem conhecimento de como funciona o mundo de gestão de empresas. Pessoas. Cultura. Processos. Sistemas. Modelo de gestão. Estratégia. São coisas que um analista da Faria Lima teoricamente não é mais bem treinado do que uma pessoa que tocou de fato um business.
CS: FIA é um produto que é difícil de você mostrar seu diferencial, né? Como que se demonstra que seu produto é diferente de tantos outros produtos que têm um pitch mais ou menos parecido? Eu sinto que para quem trabalha com multimercados, mesmo sendo um produto um pouco mais complexo, falar sobre o diferencial do produto é mais fácil… Você pode ter uma pessoa que tem uma ampla experiência em DI, em dólar, em special sits, e isso cria uma diferenciação. Eu tenho para mim que FIA é um produto que talvez seja mais 'comoditizado'.
RH: Vou me permitir discordar de você…
CS: Claro! (risos)
RH: … Concordar e discordar. Porque eu poderia dizer que multimercado no Brasil sabe ganhar dinheiro vendendo dólar, tomado em juros e é isso. Até que não. Ano passado o pessoal ganhou dinheiro tomando juros lá fora, e durante o ciclo de 2018-2021 ganharam dinheiro com bolsa… E de certa forma eles sempre foram monotemáticos nesse negócio. Se você olhar qualquer mercado, eles têm ondas. Diferenciação sempre está no talento das pessoas, nos processos. Está menos na ideia do produto e mais na forma de execução. Nosso produto em essência é muito parecido com o de muitas das principais gestoras. Onde a gente é diferente? É no detalhe do processo. Até porque é uma crítica que muitos alocadores fazem, né? O overlap entre as carteiras dos fundos de ações. E sem fazer juízo de valor sobre essa crítica do overlap estar correta ou não, mas o nosso portfólio é bastante descorrelacionado pela forma que olhamos as empresas e por quais tipos de empresas nós estamos dispostos a olhar. Tentando resumir de forma simples, qual a empresa que todo analista quer investir? É uma empresa que está num mercado grande e crescente, que tem um modelo de negócios bom (ou seja, alto ROIC), gerido por pessoas competentes e que ele admira e pelo preço certo. O problema é que quando você tem os três primeiros…
CS: O preço já não é tão atrativo…
RH: …geralmente isso é um consenso e o preço vai para um nível que torna o retorno mais baixo. Então você tem várias formas de abordar isso. A forma como a gente enxerga é: se eu conseguir encontrar uma empresa onde eu acredito que haja esses três fatores mas que por algum motivo o mercado não concorda comigo, eu consigo comprar a um bom preço e tenho um retorno diferenciado. Então eu busco histórias mal precificadas e mal percebidas, para buscar um retorno diferenciado.
CS: É interessante você reiterar a importância de um bom time, de ter boas pessoas, bons talentos. Muitas vezes a gente resume uma gestora à imagem dos gestores fundadores e à cota mas esquecendo que quando a gente aporta num fundo, a gente contrata toda uma equipe que recebe as taxas de administração e performance para trazerem retornos acima do benchmark. Então falando um pouco de pessoas, o que que você acha que é um ponto de convergência entre todas as pessoas que trabalham aqui na HIX?
RH: Acho que todo mundo que trabalha aqui tem que gostar muito do que faz, ter uma mente flexível e ser muito aberto à discussão. As pessoas muitas vezes se sentem agredidas por questionamentos de outras como se fosse pessoal, acho que a gente precisa desconstruir isso. Se você vier com uma ideia de uma empresa e eu fizer questionamentos, eu não estou agredindo você, eu estou agredindo a ideia, para ter certeza que a ideia tem substância… Mas a verdade é que você precisa passar um certo tempo junto com as pessoas para sentir se a dinâmica funciona bem.
CS: E como que se mitiga turnover do pessoal que entra aqui para que passe esse tempo junto e que se perceba essa dinâmica?
RH: …quando eu descobrir eu te conto! (risos)
CS: Justo! (risos)
RH: Assim… As pessoas têm que gostar do que elas estão fazendo, têm que estar confortáveis no ambiente em que trabalham e ver propósito naquilo que elas estão fazendo. Acho que são as três coisas mais importantes. Dinheiro não é o motivo mais importante. Pode ser o motivo para ir embora, mas não é motivo para ficar. Se as pessoas não virem propósito, só fica quem é meio mercenário, que não é o que você quer. É esse o trabalho de cultura que a gente tem que fazer, desenvolver propósito para as pessoas, fazê-las entender os conflitos. É bem complicado esse assunto. A gente tá num mercado que o turnover é alto então fazer esse trabalho de cultura é muitíssimo importante.
CS: Como uma pessoa que trabalhou tantos anos numa empresa grande, tem algo que você levou da trajetória corporativa que conseguiu aplicar na cultura ou processos aqui na HIX?
RH: Acho que definitivamente como somos minuciosos com processos. Então a gente mede bastante as coisas, tenta ter data, responsável e escopo de tudo que fazemos. A gente se planeja em termos de objetivos… A gente tem essa disciplina que empresas industriais precisam ter para tentar manter o processo de análise o mais homogêneo e uniforme possível. Além de tentar gerir a HIX como uma empresa, não como um fundo. Isso mexe na nossa ambição e mexe com como gerimos processos. E também pequenos aprendizados, né? Se você conversar com qualquer CEO, CFO ou diretor de RI, ele vai ter um discurso que você vai achar incrível. A estratégia vai fazer sentido, porque o cara é inteligente. Ele vai saber exatamente o que você quer ouvir, porque ele já fez esse discurso 100 vezes, já foi criticado por 100 outras pessoas, então já adaptou e corrigiu o discurso para que ele ficasse ideal. Qual a diferença de uma empresa que é fantástica para uma empresa que é mediana ou ruim? É se a narrativa da estratégia está de fato sendo executada com consistência. Como você descobre isso? Falando com a média gerência, sei lá. Se o gerente de loja, o gerente de chão de fábrica, tem o mesmo discurso do C-level, provavelmente a estratégia está sendo executada. Falar com pessoas que estão de fato tocando a operação. Saber se a execução conversa com a estratégia. Não é o diretor que toca a estratégia, quem toca é a gerência. Além dos processos empresariais, saber o que é exequível e o que não é. Na planilha é tudo mais bonitinho.
CS: E a gente consegue adaptar os números à história que a gente quiser contar, né? Acho que um analista quando chega numa determinada senioridade, o skill de modelagem financeira é muito homogêneo. Analisar um balanço, os demonstrativos financeiros como um todo, chega um ponto que isso não diferencia de um analista para o outro. O trabalho que é muito mais subjetivo é fazer uma análise qualitativa de qualidade, eu acho. Entender o modelo de negócio, as vantagens competitivas, se são resilientes a longo prazo, se tem um spread significativo entre o ROIC e o custo de capital, se tem barreiras de entrada, como um novo entrante afeta a dinâmica de custos e receitas, acho que são coisas que um livro não vai te ensinar…
RH: Um livro até ensina em algum aspecto. Mas você também se engana. Muitas vezes durante o processo de análise é muito fácil você ficar animado com determinada empresa e você age com falta de honestidade intelectual. Você quase que constrói o raciocínio e as premissas para ter como resultado aquilo que você queria que fosse o resultado. Isso acho que também demanda bagagem e histórico.
CS: E como uma gestora de FIA que busca boas histórias mal precificadas, presumo que vocês passem um tempo considerável fazendo a análise, até para evitar uma value trap. Quanto tempo mais ou menos vocês passam avaliando uma companhia antes de tomar uma decisão de mexer na carteira?
RH: Tem começo e não tem fim, né? Tem empresas que são mais simples, tem empresas que são mais complexas. Pode ter empresa que você gaste três meses para entender o suficiente para pensar se você vai investir ou não. Já teve empresa que a gente levou seis meses para tomar uma decisão de investimento - ou até desistir de investir. Mas todo trimestre a gente revê a história inteira, o que a gente achava que era fator crítico de sucesso, revisa, busca conversar com pessoas, manda relatórios aqui internamente e debate sobre a posição. Porque as empresas são organismos vivos, então de certa forma você nunca vai poder falar ‘eu conheço essa empresa’. Você conhece aquele estado dela, com aquelas pessoas. Mas de repente sai um pessoal, sai um executivo, muda o mercado, muda a legislação, tem uma crise que a empresa precisa manejar. É um trabalho sem fim, mesmo. Por isso tem que gostar muito.
CS: Tem algo que você gostaria de ter dito para você mesmo dez anos atrás, quando estava montando a gestora, pensando como seria a cultura, como seriam os processos?
RH: Primeiro eu pensei em te responder “vai ser mais difícil do que você imaginava”. Mas talvez se eu tivesse me dito isso, talvez eu não teria começado e teria me privado de um desafio que foi muito rico. Então acho que não é verdade… Acho que todas as vezes que eu fiz um investimento por FOMO (fear of missing out), foi uma grande bobagem. E na hora você nem percebe que está fazendo por FOMO. Falaria para não ter medo de não ganhar.
CS: A Giovanna (Quaglia, RI da HIX Capital) estava me falando há pouco que vocês têm esse princípio de colocar uma porcentagem do capital próprio investido nos fundos aqui. De onde vem esse skin in the game? Por que você acha que é necessário?
RH: A gente procura investir um volume relevante pelos nossos veículos porque a gente acredita no que faz, porque a gente acredita que é uma boa oportunidade de investimento. Além disso, quem não tem dinheiro investido no próprio produto tende a tomar mais risco do que deveria ou do que seria razoável. Como você mesma disse, tem mais skin in the game e você toma decisões melhores quando seu dinheiro está investido no seu produto.
CS: Tem alguma crise ou um momento de mercado que foi muito memorável nesses 10 anos e que te trouxe uma grande lição como gestor?
RH: Com o tempo a gente vai aprendendo que o mercado é cíclico, a economia é cíclica, a política é cíclica. Hoje, por exemplo, tá todo mundo super pessimista, com razão, mas isso deveria me tornar menos pessimista. Acho que essa é uma das coisas que não ia adiantar eu ter dito pro Rodrigo de dez anos atrás. Mas as coisas passam. Tem que encarar pragmaticamente cada crise, mas sem se desesperar. Mas voltando à sua pergunta… 2014 e 2015 foi muito difícil. Foi um período de desconforto extremo sobre o que ia acontecer com a economia brasileira. A economia estava em frangalhos, queda de PIB real de uns 7 pontos percentuais, muitas empresas alavancadas, era um momento ruim, as pessoas estavam comparando o Brasil com Venezuela, com Argentina…
CS: Qual você acha que é o lado mais desafiador como empresário?
RH: Como empresário, gerir pessoas e moldar a cultura. Quando você tem as pessoas certas, com a cultura certa, fazendo as coisas do jeito certo, as coisas vão andando. Quando alguma dessas coisas está fora do lugar, fica muito mais errático. Diria que isso.
CS: Rodrigo, me fala um pouco dos seus gostos pessoais. Eu gosto de capturar isso porque a obra nunca é indissociada do autor, né. E eu acredito que nossos hobbies transparecem nossa personalidade, a gente se une a pessoas à nossa semelhança, a gente começa um projeto a partir de um acúmulo de nosso conhecimento. O propósito dessas entrevistas parte um pouco de buscar essa interseção. O que o Rodrigo faz no final de semana?
RH: Não sei se tem algum hobby que claramente me defina, viu, Clara? Mas assim… Eu gosto de cozinhar… Ver uma receita, comprar os ingredientes, testar…
CS: Mas gastronomia tem uma rigidez com processos, né? Especialmente se for culinária francesa, por exemplo…
RH: Eu não sou muito metódico com isso, sabia? Engraçado isso. Por isso nem sei se conversa muito. Mas definitivamente tem um quê de criatividade. Eu gosto muito de esportes, em especial os relacionados à água. Leio bastante também… E é isso, eu acho. Não sei o quanto essas coisas que eu falei me definem.
CS: Por fim, me conta três livros que mudaram sua percepção de mercado, ou como pessoa, ou como empresário.
RH: Tem dois livros super importantes do ponto de vista de leitura de ambiente competitivo de mercado: o Competition Demystified do Bruce Greenwald e a biografia do John D. Rockefeller, que se chama Titan. Tem um livro excepcional sobre vida, desafios e conquistas, que é a biografia do Agassi (jogador de tênis). Fantástico. Pensando em mais algum, mas não sei… São tantos… Todo ano tem pelo menos um livro que muda a vida da gente, né?
CS: Tem? Não sei! (risos)
RH: Ah, não? (risos) Talvez na falta de um melhor, mas que eu li recentemente, é esse livro sobre a história de famílias judaicas e árabes na China. Chama “The Last Kings of Shanghai”. O mais interessante dele é você ver a relação imperialista na China. Mais até do ponto de vista britânico. Ajuda muito a entender a relação da China com o resto do mundo, ou pelo menos de onde vem algumas coisas. Acho isso bem importante.
Queria agradecer ao Rodrigo pelo tempo e disponibilidade, por aceitar que eu contasse um pouco sobre a HIX e, também, agradecer a você pelo seu tempo e por fazer parte desse projeto comigo.
Obrigada por ler!
Entrevista muito boa!
Entrevista perfeita! Parabéns.