A proposta dessas entrevistas não é saber o que o entrevistado acredita que será do Brasil daqui a 5 anos, ou sua opinião política, ou qual a tese por trás da maior posição no portfólio da gestora de recursos.
O propósito aqui é entender o ponto de convergência entre o profissional (o que, claro, envolve o produto, a estratégia e as qualidades necessárias para exercer carreira no mercado); o empresário (qual cultura de empresa ele desenvolveu para a asset, o que é necessário para trabalhar ao seu lado, como se mitiga problemas de empresa como captação, risco e turnover); e a pessoa (seus hobbies, interesses e livros favoritos, por exemplo, porque isso também acaba moldando seu lado profissional e empresário, como já falamos neste post). Uma pessoa é o acúmulo de todas as suas vivências, lições, paixões, hobbies, conhecimento. Sua maneira de atuar na vida pessoal e profissional sempre terá uma interseção. É isso que queremos capturar nessas entrevistas.
Ulisses Nehmi é CEO da Sparta Fundos de Investimento. Formado em Engenharia Aeronáutica no ITA, Ulisses seguiu a trajetória de seu pai, Victor Nehmi, como gestor de portfólio, e hoje ambos fazem parte do time de gestão na asset. Hoje, a Sparta é uma das maiores gestoras de crédito do país, somando R$14bi sob gestão.
CS: Ulisses, queria muito te entrevistar porque acho muito interessante a sua história no mercado. Sei que seu pai (Victor Nehmi) fez muito trading de commodities na década de 90 e a história da Sparta começa com ele, e foi feita uma transição não só de pai para filho - e sucessão de gestora já é um negócio que volta e meia eu penso - mas também migrando do agro para esse gigante de renda fixa e crédito. Como foi essa sucessão e essa transição do agro para o crédito:
UN: É curioso ver como é uma maneira quase ingênua como você vê a ligação desses pontos… Ingênua não num mau sentido, mas no sentido que a gente tirou o “dedo da tomada” do agro para o outro extremo, justamente porque passamos por uma janela em que eventualmente a estratégia de trading no agro não era já tão bem vista. A história não é tão romântica porque nosso business era mais cíclico (risos). A gente precisava de algo que pudesse enfrentar os momentos desafiadores do mercado. Optamos por high grade porque nossa expertise era análise de empresas, e em paralelo criamos uma área quant, porque aqui somos majoritariamente engenheiros. É engraçado porque na época a gente pensava “já pensou se a gente conseguir pelo menos pagar o aluguel com a área de crédito?”, a gente apostava muito no quant. Acabou que o quant na prática se mostrou muito mais desafiador do que imaginávamos, e a área de crédito começou a crescer e virou o que é hoje.
CS: Que sensacional. É uma história de competência com a pitada de sorte, né? (risos) E eu acho que o mundo de equities é vendido com muito glamour… Não só o ‘fundamentalista raiz’ mas também a indústria dos fundos quantitativos. Não sei se por histórias como o Renaissance… Muitos nem sabem que Howard Marks é, na realidade, gestor de crédito… E eu sinto que a gente tenta “importar” essa cultura do ‘tomar risco’, do skin in the game, sendo um país que estruturalmente tem problemas muito diferentes dos mercados desenvolvidos. E equities e crédito ainda têm uma lógica que é um pouco diferente, né? No crédito tem uma necessidade de diligência que talvez seja um tanto maior, a preocupação é mais com o que você pode perder e, no best case scenario, você já sabe quanto você ganha com aquela alocação… E eu vi essa entrevista do (Márcio) Takaya (gestor de crédito e sócio na Sparta) onde ele dizia: “não vai ser um ou dois pontos de spread que justifica comprar risco”, que tá muito alinhado com isso. Todo esse monólogo para perguntar: por que vocês optaram por operar high grade, em vez de high yield?
UN: Acho que você tangenciou vários pontos que merecem ser comentados… A principal diferença entre a estratégia de equities e de crédito tem a ver com a convexidade e com a ausência dela. A convexidade em equities é aquela coisa, eventualmente vai ter uma alocação que vai dar muito certo e possivelmente vai compensar aquelas que não deram certo, e quando a gente vai pro equity privado - VC e em menor grau, PE -, essa questão da convexidade é ainda mais relevante. E você comentou, ‘por que as pessoas no Brasil gostam de tomar risco?’, eu não sei se as pessoas gostam de tomar risco. Acho que as pessoas são mais avessas ao risco em algum grau do que elas pensam que são. Mas entendo que as remunerações dos intermediários e de todos os envolvidos na cadeia tem uma relação direta com o risco, o que leva as pessoas a tentar vender mais risco. No mundo de renda fixa as taxas são menores, tanto administração quanto intermediação, comissões… Tem mais receita quanto maior o risco. Já no crédito, em especial no high grade, é um jogo de errar menos. Claro que você tem que diversificar para mitigar riscos e eventos adversos significativos. Você tem que montar uma estratégia robusta para ter uma consistência e também um retorno adequado ao risco que você está tomando. A expectativa de perda no high grade é baixa, mas deve haver uma construção de carteira e uma estratégia que seja compatível com isso. Se você tiver um problema em decorrência de uma carteira muito concentrada, você quebra, e é isso. No crédito high grade você tem menos risco, mas também tem menos margem para errar. Então de fato, como o Takaya disse, nossa ideia não é encontrar grandes ganhadores, e sim muitos ganhadores pequenos, mas que em eventos adversos o impacto vai ser razoavelmente mitigado. Completei seu monólogo e esqueci sua pergunta final… (risos)
CS: (risos) Por que vocês optaram pelo high grade?
UN: O Brasil é, de fato, a terra da renda fixa. E no exterior tem um ERP (equity risk premium) interessante com uma taxa de juro estruturalmente mais baixa. Como nosso juro é bastante alto, as empresas que têm uma musculatura financeira mais robusta são aquelas que conseguem pagar essas taxas. O high grade combina com o fundo aberto porque tem um risco mais baixo, então a chance de criar problemas na dinâmica de liquidez é um tanto menor. E daí como somos engenheiros a gente acha que high grade é nossa praia de fato, porque a tese não é essencialmente jurídica - se a garantia funciona ou não funciona, por exemplo. Esse é o mundo do high yield. A gente acabou optando por high grade um pouco pelo perfil da nossa equipe e pensando na escala do tipo de produto que a gente queria.
CS: E já pegando esse gancho de perfil de equipe… O que é a cultura da Sparta? O que você busca nos seus funcionários?
UN: É interessante porque quando a gente fala do segmento de crédito, muitas vezes se fala de um perfil comercial junto. Não é exatamente isso que a gente busca, mesmo porque a gente não faz originação. Nosso perfil é mesmo essencialmente mais analítico. Entender empresas, fluxo, lidar bem com dados, e trabalhar em time. Isso porque aqui a gente não tem books individuais ou metas individuais, é sempre uma coisa mais colegiada, envolvendo argumentação e defendendo os cases para visar o resultado coletivo. Até porque, como você disse, o incentivo não é tanto dos grandes acertos, é de não errar. Além disso, a visão de longo prazo, que no crédito é fundamental.
CS: E no processo de gestão de vocês, vocês pensam se algum ativo vocês vão carregar, ou conforme for fechando o spread girar um pouco a carteira… Como é o processo?
UN: Ah, não vou dizer que a gente não olha uma taxa que pode mudar em breve, porque o mercado topa pagar mais por alguma tese… Mas a gente não tem um book específico para isso. A gente otimiza a relação de retorno sobre risco o tempo todo. Às vezes você acha que pretende carregar o ativo por 5 anos a dali 6 meses já vendeu tudo, às vezes você compra um ativo com uma taxa que parece que pode fechar e de repente não fecha porque alguma premissa estava errada e faz parte. Mas não pensamos em sempre carregar ou em sempre girar, mas sim em buscar essa relação retorno sobre risco.
CS: E sobre essas emissões mais recentes e o mercado, vocês têm percebido que a captação tem sido mais para investimentos e novas frentes de negócio ou para mudança da estrutura de capital em si?
UN: O tipo de empresa que a gente dá crédito aqui na casa é mais voltado para investimentos, mesmo porque a gente foca muito em infraestrutura. A gente não costuma financiar alavancagens muito grandes nem empresas muito cíclicas, então acabamos não pegamos empresas mais arrojadas. Mas tem alguns setores, sim, que estão em situações mais difíceis, como saúde, e setores que já enfrentam essa dinâmica pela ciclicidade, como o varejo… Mas a maior parte dos nossos ativos são de empresas de infraestrutura ou correlatos que são capital intensivos, mesmo pelo segmento que a gente opera. A gente brinca que o maior acerto de um gestor de crédito high grade é na realidade algo que deu muito errado e que a gente não tinha na carteira.
CS: E já voltando para sua trajetória, você queria trabalhar com mercado desde cedo?
UN: Eu sempre acompanhei meu pai (Victor Nehmi) fazendo isso, ele me incentivou a investir em ações quando eu tinha menos de 10 anos de idade, então eu sabia do que se tratava desde cedo… Mas eu sabia o que eram ações e futuros antes de saber o que era renda fixa, porque ele nunca ensinou nada sobre isso (risos). A gente sempre teve essa ideia de investimentos e de empreender, mas eu fiz engenharia e achava que queria trabalhar com isso, não pensava no mercado financeiro profissionalmente. Acabou que trabalhei um tempo no Santander, primeiro na área de fundos, depois na mesa proprietária da tesouraria, que foi uma escola. Trabalhei com o (Roberto) Campos Neto, o (Felipe) Guerra (Legacy Capital), Mário Torós (Ibiuna Investimentos), o pessoal da Ace, Absolute, muita gente muito boa do mercado e que estão hoje em gestoras grandes. Mas eu vim para a Sparta muito com a cabeça de ajudar meu pai, com o Sparta Cíclico (fundo de commodities da Sparta, gerido por Victor Nehmi), e as coisas foram acontecendo…
CS: Por fim, me fala três livros que você recomenda, dentro ou fora da temática de mercado?
UN: Um livro ótimo é “A Lógica do Cisne Negro”, do Taleb, que traz conceitos muito importantes pra qualquer investidor. Outro que todo investidor deveria ler é “A Psicologia Financeira”, do Housel. E aí fugindo do tema investimentos, um livro que eu muito gosto e reli recentemente é “O Homem que Calculava”, do Malba Tahan, porque ele fala de matemática, que é uma coisa que pouca gente gosta, mas de uma forma tão leve e envolvente, que faz qualquer um abrir a cabeça e ver a matemática de outro jeito. Na Sparta nós investimos em renda fixa e crédito, que pouca gente entende e gosta, e também nos esforçamos para comunicar isso de uma forma mais leve.
Queria agradecer muitíssimo ao Ulisses pela disponibilidade e, também, agradecer a você por abdicar uma fração do seu ativo mais precioso (seu tempo) e por fazer parte desse projeto comigo.
Obrigada por ler!
Clara Sodré
Excelente!!
Parabéns pela entrevista, Clara! Incrível como entrevistadora e entrevistado fazem ao mesmo tempo tudo parecer fácil e dar aquela vontade de sair pesquisando e estudando mais.