A proposta dessas entrevistas não é saber o que o entrevistado acredita que será do Brasil daqui a 5 anos, ou sua opinião política, ou qual a tese por trás da maior posição no portfólio da gestora de recursos.
O propósito aqui é entender o ponto de convergência entre o profissional (o que, claro, envolve o produto, a estratégia e as qualidades necessárias para exercer carreira no mercado); o empresário (qual cultura de empresa ele desenvolveu para a asset, o que é necessário para trabalhar ao seu lado, como se mitiga problemas de empresa como captação, risco e turnover); e a pessoa (seus hobbies, interesses e livros favoritos, por exemplo, porque isso também acaba moldando seu lado profissional e empresário, como já falamos neste post). Uma pessoa é o acúmulo de todas as suas vivências, lições, paixões, hobbies, conhecimento. Sua maneira de atuar na vida pessoal e profissional sempre terá uma interseção. É isso que queremos capturar nessas entrevistas.
Edson Rigonatti é sócio-fundador da Astella, uma empresa de Venture Capital fundada em 2008 focada em SaaS, marketplaces e varejo digital. Edson, que aprendeu a programar ainda adolescente, começou trabalhando num negócio familiar, no setor de tecnologia. Edson fez um MBA em finanças em Columbia e passou por diversas casas, tendo sido mentor da Endeavor, onde descobriu que queria, de fato, fazer carreira em Ventures.
CS: Edson, me conta um pouco da sua história até a fundação da Astella.
ER: Eu comecei na verdade minha carreira como músico! (risos)
CS: Caramba!
ER: É, tive várias bandas ainda adolescente, mas a que ficou mais conhecida era uma banda de thrash metal.
CS: (risos) Tipo Anthrax, Slayer, essas coisas?
ER: Olha só! Ela conhece! Vou te mandar nosso CD no Spotify. (risos) Depois que a banda terminou eu fui trabalhar no negócio da minha família, que sempre foi empreendedora e tinha um negócio de varejo. Resolvi fazer MBA nos Estados Unidos em 95. De lá fui trabalhar na Lucent, que naquela época, junto com a Netscape, talvez fossem os dois expoentes daquela primeira onda da internet. Vim abrir a empresa aqui no Brasil, na época da privatização da Telebrás. Fomos de zero a bilhão de dólar em dois anos e bilhão de dólar a zero em mais dois. Nessa época que conheci a Laura (Constantini, sócia-fundadora da Astella), que na época trabalhava no Credit Suisse, e também a Marília Rocca (fundadora da Endeavor Brasil), que também era alumni de Columbia e voltou para o Brasil a pedido do (Beto) Sicupira para montar a Endeavor. Me apaixonei por aquele negócio de mentorar empreendedores, comecei a me dedicar para aquilo, e depois de vários anos mentorando, eu e a Laura queríamos que aquilo fosse nosso full time job. Em 2008 resolvemos fundar a Astella. Foi assim que chegamos aqui.
CS: E foi uma das primeiras empresas de VC no Brasil, se não estou enganada, né?
ER: A gente na verdade faz parte de uma segunda onda, Clara. Teve uma primeira onda na década de 90, de fundos como CRP, DGF, que acabaram sofrendo bastante por causa do estouro da bolha, mas muitas ainda existem até hoje e foram importantes para a formação do ecossistema do Brasil. Em 2008 surgiu uma nova safra da qual fazemos parte, e a primeira foi a Monashees. O Eric (Acher) começou a correr a maratona uns 10km na frente (risos). A gente começou de verdade a atuar em 2010, que foi quando a Kaszek foi fundada, logo depois a Redpoint, e por aí vai…
CS: E quando você montou a Astella, num ecossistema que ainda estava se formando, o que você pensou em termos de cultura? Porque o trabalho do VC, me corrija se eu estiver errada (risos), é mentorar e ajudar a escalar empresas que têm um produto que é sedutor, que têm um potencial grande de crescimento, e esse processo passa por avaliar uma série de questões quantitativas e qualitativas, inclusive as pessoas que compõem o business. Quem são as pessoas no business da Astella?
ER: Tiveram duas coisas que foram muito importantes para a nossa história e para a nossa cultura. Primeiro, o meu background e o da Laura, que viemos do mercado financeiro com uma visão de value investing, de buscar coisas concretas. A segunda coisa foi que nascemos com muito pouco dinheiro. Como não conseguimos um fundo grande na largada, a gente procurava investir em coisas que eram muito eficientes de capital. Hoje em dia eu consigo te dar uma explicação mais bonita para isso, a gente distingue o mundo entre dois personagens, os Cobra Kais e os Mr. Miyagis. Quem gosta de ganhar na porrada e quem gosta de treinar para fazer a coisa certa. A gente acabou se formando como Mr. Miyagi, dada a nossa formação e a circunstância em que começamos. Isso que fez com que a gente começasse a publicar muito conteúdo, compartilhar conhecimento, ter algo a mais do que o dinheiro, ser desejado. Isso formou o coração da nossa cultura, compartilhar conhecimento, fazer mentorias.
CS: Pensando um pouco no trabalho de VC. Quando se faz um investimento numa empresa em early stage, vocês buscam compreender não só a empresa, mas também o mercado e a cadeia de valor daquele segmento. Mas eu queria saber em mais detalhes, como leiga, como é o processo de investimento de um fundo de VC, em que difere de um fundo aberto…
ER: É muito mais senso comum do que as pessoas imaginam. Mas basicamente a gente olha quatro coisas para avaliar uma oportunidade: pessoas, produto, processos e preço. Produto é um pouco mais difícil de se analisar, entender o produto, qual o seu potencial, isso envolve não só conhecimento técnico mas também tempo, experiência de campo. É o que é difícil na avaliação: entender do produto e da formação de mercado, e entender se,a sinergia de pessoas, processos e preço também colaboram para a criação de um grande produto.
CS: E como vocês tratam de risco em um fundo de VC?
ER: Bom, procuramos o máximo de risco possível em produto e o mínimo de risco possível em pessoas, em processos e em preço. A estatística do VC é que para cada 10 investimentos que a gente faz, 5 dão completamente errado, 3 dão ‘mais ou menos’ e 2 dão muito dinheiro. Quando a gente olha para um produto novo, a gente sempre está tentando pensar que aquela empresa pode ser a única empresa que vai dar certo num investimento. Eu gosto de fazer um paralelo com música. Numa audição, de 100 meninas, você tem que escolher 10 que você acha que tem mais chance de virar uma cantora de sucesso, mas sabendo que só uma dentre elas vai de fato ser uma cantora gigante estatisticamente.
CS: E falando sobre pessoas. Venture Capital não é uma carreira óbvia, eu acho. É difícil encontrar capital humano de qualidade e com as competências que você precisa aqui no mercado de VC brasileiro?
ER: Excelente. O mercado de VC é por natureza um mercado de outcasts, de pessoas diferentes. Pela natureza do risco, do novo, do que não existe. Então não é um lugar onde uma carreira normal acontece. E o legal do VC é que tem investidores incríveis que começaram a vida como jornalistas, por exemplo. É uma carreira que permite a multilateralidade do conhecimento. Mas exige já uma bagagem, aquelas famosas 10.000 horas, de produto, de empreendedorismo, e isso é difícil de achar.
CS: Quanto tempo demora o processo de pegar um stake até o desinvestimento?
ER: 7 a 10 anos.
CS: Tem algo que você diria pro Edson que começou a empreender no começo da formação do ecossistema de venture capital aqui no Brasil, lá em 2008?
ER: Eu gostaria de talvez ter falado para mim mesmo para ter mais paciência, porque demora para colher e tá tudo bem demorar.
CS: É o próprio jeito que o mercado funciona, né? E tem algum livro que ajudou na sua formação como empreendedor no mercado?
ER: O que mais me marcou talvez seja Invisibles Armies, de um autor chamado Max Boot. Ele descreve a história das guerrilhas ao longo da história da humanidade e ele faz uma estatística dos últimos 250 anos, e ele traça que houve nesse período 687 guerrilhas. Dessas, 75% perdeu, e ele busca mostrar como os que conseguiram modificar o sistema minimamente ou totalmente conseguiram fazê-lo. É uma descrição literal do que a gente busca fazer no dia a dia.
CS: E o que você vê para o mercado de VC, daqui pra frente?
ER: Duas coisas, uma muito boa, outra mais difícil. A muito boa é que esses ciclos são muito repetidos, o que aconteceu recentemente é muito similar ao que aconteceu em 2008-09, 2001-02, 1993-94, então são ciclos de oferta e demanda de dinheiro que coincidem com movimentos tecnológicos também. Em 2009 tínhamos o surgimento da era do celular, 2001-02, o surgimento da nuvem, e aí você tem uma escassez de dinheiro, mas também uma oferta abundante de novas tecnologias. E no caso do Brasil, a gente tem uma coisa que é incrível, que em 2023 e 2024 vamos investir mais em investidores de segunda jornada do que de primeira. Isso é equivalente a Israel em 2009. Israel virou Israel quando começaram a aparecer empreendedores experientes, sabe? Então vai ser um período muito positivo para VC no mundo inteiro, por causa de todas as novas tecnologias, como crypto e AI, mas especificamente também pela abundância de talento humano. O lado mais incerto é que acho que estamos na fase final da era de software. Todo mundo vai ter as ferramentas, todo mundo vai saber o que fazer e como fazer. Daí vamos ver o novo ciclo, que é o ciclo de biotech.
Queria agradecer ao Edson pelo tempo e disponibilidade, por me permitir falar um pouco sobre sua carreira e sobre a Astella e, também, agradecer a você pelo seu tempo e por fazer parte desse projeto comigo.
Obrigada por ler!
sensacional!
VC pensa em quantos anos na frente?