A proposta dessas entrevistas não é saber o que o entrevistado acredita que será do Brasil daqui a 5 anos, ou sua opinião política, ou qual a tese por trás da maior posição no portfólio da gestora de recursos.
O propósito aqui é entender o ponto de convergência entre o profissional (o que, claro, envolve o produto, a estratégia e as qualidades necessárias para exercer carreira no mercado); o empresário (qual cultura de empresa ele desenvolveu para a asset, o que é necessário para trabalhar ao seu lado, como se mitiga problemas de empresa como captação, risco e turnover); e a pessoa (seus hobbies, interesses e livros favoritos, por exemplo, porque isso também acaba moldando seu lado profissional e empresário, como já falamos neste post). Uma pessoa é o acúmulo de todas as suas vivências, lições, paixões, hobbies, conhecimento. Sua maneira de atuar na vida pessoal e profissional sempre terá uma interseção. É isso que queremos capturar nessas entrevistas.
Werner Roger é sócio fundador e gestor do Trígono Capital. Somando mais de 40 anos de mercado, Werner passou por grandes instituições como Chase Manhattan e Citibank, nas áreas de M&A, sell side, crédito e risco, e, posteriormente, em 1998 começando sua trajetória em asset management, estruturando a área de crédito e risco como diretor do Citibank Asset Management até 2005. De 2005 a 2007, sob a Western Asset Management, comandou também a área de crédito na América Latina. Em 2007, Werner iniciou sua trajetória como gestor de renda variável, como sócio fundador da Victoire Brasil Investimentos, e, no início de 2017, deixou a empresa, fundando em outubro junto com o sócio Frederico Mesnik a Trígono.
Quando pensamos em gestoras independentes focadas em small e microcaps, certamente um dos nomes que nos vem à mente é a Trígono Capital. A gestora, fundada em 2017 por Werner Roger e Frederico Mesnik, saltou de R$230MM para R$850MM entre jan/20 e jan/21, até o primeiro bilhão sob gestão, em maio de 2021. Apesar da pouca idade da gestora, os sócios fundadores acumulam mais de 40 anos de experiência no caso de Werner (sendo 25 deles em asset management) e 30 anos no caso do Frederico, não apenas em equities, mas em crédito privado e corporate finance.
Trígono é o nome inspirado no equilíbrio e força de um triângulo equilátero (três vértices e lados iguais), entre investidores, gestora e os ativos investidos, na realidade a matéria prima, e um segundo triângulo representando a metodologia de investimentos. Também é a inspiração para o nome do livro escrito pelos sócios, “ A Trigonometria dos Investimentos”. A metodologia, segundo Werner Roger, sócio fundador e entrevistado nessa edição do Compounders, conta com três grandes máximas para o processo de stock picking: empresas excelentes pagadoras de dividendos (é o caso da estratégia principal do fundo Delphos, mas também usada em todos os fundos da gestora), avaliação das companhias através de ferramenta conhecida por Economic Value Added (EVA) e empresas com as melhores práticas e adequadas ao ESG (environmental, social, governance), ou investimento sustentável, como Werner prefere intitular.
“Montar uma boa equipe, se fazer ser conhecido e quebrar as barreiras de tamanho: esses são os três maiores desafios de uma gestora.”
Werner Roger
CS: Werner, você começou a carreira no mercado trabalhando com crédito, salvo maior engano. Como o fato de você ter sido forjado nesse segmento no início da sua carreira modificou sua visão sobre equities?
WR: Modificou muito. A carreira não só em crédito, mas a passagem por fusões e aquisições, operações estruturadas e risco, trouxe para dentro da Trígono uma visão mais holística neste sentido. O mercado de crédito de 25 anos atrás era muito incipiente e muito pouco líquido. Era basicamente buy and hold: compra, carrega até o vencimento e torce para não dar errado (risos). Hoje até tem mais liquidez. Então você tem, no crédito, especialmente naquela época, uma visão de muito mais longo prazo, pouca liquidez, portanto precisa muito mais diligência e visão de longo prazo, já que praticamente não existia o mercado secundário ou trading de títulos privados de crédito. Nossa visão aqui para equities é de 2 a 3 anos no mínimo, também. Outra coisa que nos diferencia é o nosso ESG. A gente exige muito em termos de governança e em termos ambientais. A gente tem uma metodologia proprietária, qualitativa e quantitativa, pela qual as empresas que olhamos precisam passar e são qualificadas e quantificadas, afetando o preço alvo ou justo das empresas, e assim, o potencial de valorização.
CS: E essa avaliação ESG de vocês está dentro do que vocês dizem que é parte da ‘trigonometria dos investimentos’, que é a ideia central da Trígono, né?
WR: Isso. Outra coisa é nosso processo de avaliação de empresas, que é por EVA (economic value added, ou valor econômico adicionado). O mercado hoje usa muito EV/EBITDA, por exemplo, que não nos atende. A metodologia da avaliação é feita por EVA e é bottom up, também. Nós também não nos baseamos nos índices, nos benchmarks. No Verbier, por exemplo, 95% das empresas não estão no Ibovespa. Somos agnósticos de benchmarks, porque não os utilizamos para montar nossas carteiras. Então nosso diferencial é isso: não nos baseamos nos índices para construção de portfólio, a metodologia EVA e o ESG. O EVA basicamente leva em consideração o retorno proporcionado ao capital investido pelas empresas, ou sigla em inglês de ROIC, e o excesso deste retorno ao capital oneroso (dívida) empregado por terceiro e o custo do capital do acionista, considerando o custo de oportunidade mais o risco de estar investindo na empresa. Em inglês chama-se equity risk premium ou ERP.
CS: Claro…
WR: E eu acho que é importante conhecer quem são nossos clientes. Hoje nosso passivo é metade institucional, ou seja, fundos de fundos, fundos de pensão, fundos espelho, RPPS… e metade via plataformas, pessoa física. Isso é bom porque equilibra…
CS:... porque são dois tipos de passivo que se comportam de maneira diferente quando a bolsa vai mal.
WR: … exato. Então perguntando como está o passivo, a gente tem ele bem equilibrado. E isso para um fundo de small é bem importante, se atentar à qualidade do passivo. Nosso passivo é bem pulverizado não só em números absolutos, mais de 90 mil CPFs e CNPJs quanto em termos de categorias de investidores.
CS: E ainda falando um pouco sobre passivo, por ser uma asset focada em small e micro, já com um AUM significativo especialmente para as empresas que vocês dão preferência, como vocês parametrizam a questão de capacity?
WR: A gente calcula para cada fundo o resgate dentro do seu respectivo prazo e também calcula quanto totaliza 20% do volume diário dos papéis que temos no fundo. Isso é, inclusive, alinhado com nosso administrador, que é o BTG. A partir daí, fazemos a curva de capacidade de resgate e ajustamos os fundos de forma adequada a essa liquidez, simulando resgates para todos os fundos no mesmo dia. Isso é monitorado diariamente pela área de risco e compliance, e é por esse motivo que estendemos o (fundo) Flagship, que fechou com D+30 e voltamos com D+60, por exemplo…
CS: E qual foi a parte mais difícil de ter uma gestora, para além de todo o trabalho de gestor de portfólio?
WR: Gestão de equipe, com certeza. Somos 23 pessoas, das quais 8 são mulheres, olha que interessante. E não porque eu quis ou nada do tipo, mas por terem todas a competência devida. Começamos só eu e o Fred (Mesnik) numa salinha de 25 metros quadrados. Fomos crescendo, crescendo... Hoje é muito fácil contratar gente, porque aparece currículo todo dia aqui (risos)...
CS: (risos) Eu imagino! Conheço muita gente que admira muito o trabalho de vocês aí na Trígono.
WR: Mas no início não é assim. O cara muito bom quer ir para uma casa grande… É difícil vender o sonho, eu acho. A gente teve muita sorte de ter uma equipe muito boa desde o começo. Mas os currículos não apareciam aqui antes. Além disso, se fazer conhecer, falar sobre as teses, participar de podcasts, se tornar conhecido. Nosso canal no YouTube já soma mais de 150 lives, hoje muita gente assiste, mas teve muita resiliência de continuar toda semana, mesmo tendo muito pouco acesso. Mas o maior desafio foi, começando o Verbier com R$35MM ainda como clube de investimentos em dezembro de 2017 (fundo a partir de julho de 2018) , passar os R$100MM só dois anos depois, em 2019. Depois, em maio de 2021 batemos R$1 bilhão. Sabe o que aconteceu? De maio a agosto fomos para R$2bi. Então esse começo é muito difícil. E agora estamos com uns R$2,3bi. Chegamos a R$2,5bi, mas o mercado está complicado. Mas sabemos que tiveram gestoras que perderam 50%, 60% no patrimônio, então estamos felizes que estamos segurando bem essa onda. Então montar uma boa equipe, se fazer ser conhecido e quebrar as barreiras de tamanho: esses são os três maiores desafios de uma gestora, mesmo com um desempenho excelente em primeiro lugar em todos os rankings com mais de 36 meses.
CS: E falando um pouco sobre cultura de empresa, o que você acha que é o ponto comum de todas as pessoas que trabalham na Trígono? Quais competências você busca nos funcionários?
WR: A gente verifica a necessidade de cada posição, antes de qualquer coisa, né? RI por exemplo, vemos o nível de relacionamento, o tempo que tem de experiência… Então as devidas qualificações técnicas de cada posição. Segundo ponto é a questão de empreendedorismo, no sentido de que como os colaboradores podem se tornar sócios, é necessário que eles tragam novas ideias, novas soluções, ter iniciativa, colaboração e estar 100% alinhado com a cultura e objetivos da gestora. Não é simplesmente um emprego, é muito mais que isso. Se fosse apenas empregos, muitos da nossa equipe estaria em grandes instituições financeiras. No caso dos analistas, geralmente gostamos de formar do que trazer os mais experientes. Na renda variável temos um analista mais experiente e os outros dois nós formamos aqui dentro de casa. Já no crédito é mais difícil, pois o que forja os analistas é o tempo, as crises, problemas, é isso que ensina, e não teoria ou livros.
CS: Por fim, me fala três livros que mudaram sua perspectiva como gestor ou como pessoa.
WR: O do Jeremy Siegel, “Investindo a Longo Prazo”, que é bem completo, e o “Against the Gods” do Peter Bernstein, sobre a história do risco. O terceiro, se fosse de mercado, seria o Almanaque do Charlie Munger. Um livro talvez fora do tema de mercado, e se eu puder colocar quatro livros em vez de três (risos), seria o “Leis Universais da Vida” do John Templeton. É um livro de cabeceira, mesmo. Muito muito bom.
Queria agradecer muitíssimo ao Werner pela disponibilidade e, também, agradecer a você por abdicar uma fração do seu ativo mais precioso (seu tempo) e por fazer parte desse projeto comigo.
Obrigada por ler!
Excelente Clara!
Mas acho que a lista de livros dele ficou incompleta...faltou citar a Trigonometria dos investimentos!🙂🙃
Muito bom, Clara!