Foto: Acervo pessoal (algum dia dos tempos de estudar para as provas da faculdade no Granulado, excelente café em BH. Fica a recomendação)
Meus doces, bom dia.
Tão previsíveis quanto os tweets de “ibov vira que horas?” são os comentários diários sobre os preços aqui no dito ‘Condado’. Há quem defenda, inclusive, que você pode ficar rico cortando o famoso ‘cafézinho’, que não sai na região por menos de R$5,00.
Já ouviram falar naquele axioma de que “preço é o que você paga, valor é o que você leva”?
Pois bem.
Vou mostrar com um exemplo prático de como ficar mais rico (intelectualmente) sem cortar o cafezinho - dizem que pra alguns, ainda emagrece. risos
Uma vez tive a honra de tomar um café com uma pessoa que trabalhou vários anos numa casa que tenho grande admiração e que é muito conhecida pela minuciosidade do seu processo de análise de companhias. No meio de tantos outros conselhos, orientações e ‘presta atenção’ espetaculares, acredito que parte do que ele me disse que talvez possa ser útil.
Perguntando um pouco sobre sua carreira, ele trouxe um questionamento interessante: A gente fala tanto sobre barreiras de entrada na nossa profissão, como analista. Qual barreira de entrada tem o serviço que a gente presta? Nenhuma. Zero.
Confesso que me desmotivou. Ok. Como se busca diferenciação nesse trabalho?
Me and Charlie, we aren’t stock pickers. We are business-pickers.
Warren Buffett
“...Aqui, quando a gente almoça junto, sempre vira uma brincadeira. Enquanto a gente espera a comida sempre tem um ‘e aí, quantas mesas tem aqui?’. E aí começa o jogo. Quantas pessoas passam ali por dia. Quanto tempo em média ficam no restaurante. Qual o ticket médio. Quanto custa o aluguel, os insumos. Qual a margem. O que precisa de reinvestimento. Quando a gente vê, estimou quanto vale aquele estabelecimento.”
Respondi: “seus amigos que não são do mercado devem adorar sair com você” dando risada. Ele retrucou “os seus também” e riu de volta.
“Analista é proctologista. Ninguém gosta de sentar com a gente na mesa de bar. A gente gosta porque gosta de entender como um business funciona. Você disse que não sabe como se diferenciar, tá aí a resposta. Tem que ser obcecado.”
“Acho que eu sou obcecada”, respondi convicta.
“Acha mesmo? Quando você acorda, qual a primeira coisa que você faz?”
“Desligo o alarme no celular”
“E por que comprou esse celular, dessa marca?”
“Ah, tinha um igual a esse, modelo mais antigo. Um dia do nada parou de funcionar. Mas na época tinha um notebook e um tablet da mesma marca e o sistema é bem integrado. Aumentaria o switching cost se eu comprasse da concorrência, comprei esse.” (falei rindo com um sotaque bobo de analista júnior, que fala inglês a cada 5 palavras)
“E aí o que você faz?”
“Vou para a academia e depois para o trabalho.”
“Você pega ônibus?”
“Vou de carro.”
“Qual a marca do seu carro?”
“X.”
“Por que essa marca merece seu dinheiro e não outra?”
Fiquei em silêncio.
“Reparou que a segurança aqui do prédio não é interna? É terceirizada.”
“Não reparei.”
“Por que é terceirizada?”
“Deve ter menor custo”
“Deve?”
“Tem menor custo.”
“Boa. Mas será?”
“Agora eu não sei de mais nada” respondi rindo, insegura.
“O ponto todo é: a gente interage com empresas todos os dias. Toma decisões que fazem com que elas faturem mais e mais dinheiro todos os dias. Por que determinadas empresas merecem ter lucro econômico de maneira recorrente e a esmagadora maioria quebra? E como você identifica as que serão gigantes e as que não serão? Esse é o nosso trabalho.”
Só tive percepção do impacto que isso teve para mim quando me peguei repetindo essa mesma história para os meus amigos umas três ou quatro vezes. “Conversei com um cara brilhante”, eu falava quando podia.
Claro que não pude transcrever toda a conversa e todas as maneiras de melhorar processos aqui - primeiro, porque nem sei se conseguiria, segundo pela extensão, e por último, porque não acho que seria de bom tom. Acho que essa conversa mudou minha abordagem com o trabalho. Não só pelos conselhos ou dicas de conduta profissional (que não coloquei nesse post) propriamente. Só por esse enxerto e pelo retorno claro que eu tive naquele investimento de tempo/dinheiro que tive.
Daí a importância do cafézinho. Não são seus R$5, R$7, R$8 reais poupados que vão te deixar mais rico - não que meu propósito aqui seja te ensinar a ficar rico, nunca foi, nem nunca será. Não sirvo pro trabalho de influencer nem me sentiria bem vendendo uma fórmula mágica. O que te enriquece são as conversas que você tem com pessoas mais experientes, mais inteligentes e que estão dispostas a te ouvir e te estender a mão. O conhecimento que você absorve é o que te torna verdadeiramente rico. Ah, e a capacidade de ser curioso e acatar críticas e conselhos com humildade também.
Eu acredito veementemente que não escolhemos nossos mentores - eles nos escolhem. Mesmo porque tudo na vida é uma questão de incentivos. Mas mais do que isso, eu acredito que pode-se aprender tanto fora do ambiente de trabalho quanto dentro dele. Seja no trabalho de analista per se - o famoso ‘gastar sola de sapato’, falar com outros analistas, outras gestoras (caso você esteja no buy side), ir em eventos corporativos - quanto do ponto de vista profissional mais amplo - o tal networking, apesar de eu ter ouvido essa palavra a um nível de exaustão que me fez ter ojeriza por ela.
Dito tudo isso, eu sempre acreditei que o trabalho de equity research fosse bastante ‘quadradinho’. ‘Cabeça de planilha’, como meus amigos de outras áreas usualmente chamam. Até que não. Tenho percebido que ter algumas habilidades sociais e estar constantemente em contato com outros profissionais consegue ser igualmente enriquecedor. Seja por ouvir perspectivas diferentes - especialmente falando com pessoas que têm uma tese diametralmente oposta à sua sobre uma mesma companhia -, seja por ouvir pessoas mais experientes.
Isso definitivamente corta alguns caminhos e traz uma miríade de possibilidades que fazer o trajeto casa-trabalho-casa e almoçar sempre sozinho não vão te proporcionar, acredito eu.
Fica meu ‘muito obrigada’ à pessoa que abdicou do seu tempo para falar comigo. Me proporcionou essa reflexão e mais uma série de aprendizados.
Ah, e também pelo cafézinho.
Obrigada, mais uma vez, por abdicar de uma pequena fração do seu recurso mais precioso e escasso (seu tempo) e ler esse projeto!
Nos vemos na próxima semana!
Ótima reflexão! De antemão já deixo aqui o convite para te pagar um cafezinho. Preço risível comparado ao valor intrínseco. :). Boa semana!
adorei!