Sobre análise qualitativa e « moats »
Algumas anotações sobre vantagens competitivas das empresas
Meu chefe costuma dizer que mais importante que fazer o modelo e se ater ao number-cruncher-way-of-investing (que diga-se de passagem, também é relevante para o processo de avaliação de uma companhia) é compreender de maneira qualitativa o business daquela empresa.
Decerto que as métricas operacionais e os demonstrativos financeiros dão uma boa visão do desempenho da empresa, e a abordagem qualitativa por vezes pode ser demasiado subjetiva. Questões como vantagens competitivas, barreiras de entrada e governança corporativa são bem mais difíceis de mensurar do que, por exemplo, comparar as margens de uma companhia frente a um par que opere no mesmo setor e tenha um mesmo nível de maturidade. Obviamente, cada uma das abordagens (quantitativa e qualitativa) tem suas vantagens e suas limitações próprias, por isso utilizar as duas em consonância pode ser uma boa maneira de compreender o negócio em sua completude.
Pensando nisso e mergulhando recentemente numa pesquisa sobre a avaliação qualitativa das empresas - inspirada no meu amigo Felipe que é pra mim um exemplo pessoal de profissional -, quis fazer este post para condensar algumas notas sobre algumas coisas que aprendi recentemente durante esses estudos.
Para Warren Buffett, a coisa mais importante ao avaliar uma empresa é verificar a existência do que ele chama de “moats”, ou fossos. A ideia por trás dessa palavra é buscar compreender se a empresa tem capacidade sustentável de manter sua vantagem competitiva frente a seus concorrentes, mantendo, portanto, suas margens por um longo período de tempo. Chama-se “fosso” pela ideia de um castelo circundado por uma escavação profunda, visando evitar a entrada de invasores - nesse caso, concorrentes. Entendem a analogia?
No livro “Why Moats Matter”, Heather Brilliant e Elizabeth Collins identificam 5 grandes fontes desses “fossos” que mantém as vantagens competitivas de uma companhia:
1- Ativos Intangíveis
2- Vantagem de custos
3- Custo de troca
4- Network Effect
5- Escala Eficiente
Os ativos intangíveis, como sua marca ou a posse de patentes, são alguns dos grandes responsáveis pela criação desses moats, na medida em que a marca e a patente te dão algum pricing power, na medida em que os demais concorrentes estão vetados de comercializar o produto sob o qual a empresa detém a propriedade intelectual em questão.
O processo de criação de brand equity em um negócio é extremamente complexo. Criar percepção de valor em seus clientes, fidelizando-os e consequentemente aumentando recorrência, exige um trabalho de marketing assíduo, que se converte quantitativamente numa estabilidade de margens (visto que um aumento dos custos pode ser repassado ao preço final, muitas vezes, sem maiores problemas) e previsibilidade da receita. Um exemplo claro de uma empresa que tem como moat a sua marca é a Hermès, que o Leo fez um post bem interessante em sua news, caso você tenha interesse em ler sobre o case.
No livro Capitalism without Capital, Haskel e Westlake buscam demonstrar como os ativos intangíveis mudaram definitivamente os modelos de negócio, os mercados e as relações de trabalho. É um livro só sobre o tema - que confesso que comecei a ler há pouco, mas acho que vale a pena conhecer.
Ter custos substancialmente mais baixos que os demais concorrentes também pode se mostrar como uma vantagem competitiva, por ter um poder de barganha com os fornecedores, por uma questão de escala, por exemplo. Buscar compreender qual o poder de barganha que a empresa tem com seus fornecedores e se ela consegue passar incólume a maiores custos de uma maneira eficiente é uma boa maneira de mensurar esse tipo de vantagem - easier said than done, eu sei.
Os custos de troca, como o próprio nome insinua, dizem respeito ao dispêndio (financeiro ou burocrático) que o cliente encontrará para mudar de um produto ou serviço para outro. A melhoria de desempenho ou o preço tem que mais que compensar estes custos, o que por consequência torna o churn bem mais baixo.
Por exemplo, recentemente quebrei meu celular - um iPhone já um pouco antigo - e cogitei mudar para outra marca, pela diferença de preço. No entanto, todos os meus documentos, fotos, vídeos, anotações e senhas estavam salvos no iCloud, o serviço de nuvem da Apple (um ativo intangível! heheh). O fato de eu poder recuperar esse material acabou sendo um fator para que eu optasse por comprar outro celular dessa mesma marca, em vez de comprar um celular da marca concorrente. O iCloud aumentou o switching cost e acabou afetando meu processo de decisão.
O network effect, talvez uma das fontes de vantagens competitivas mais interessantes, ocorre quando o valor de um bem ou serviço aumenta quanto mais pessoas fazem uso desse bem ou serviço. As redes sociais são um claro exemplo disso e as empresas relacionadas a tecnologia em geral se beneficiam desse efeito. Empresas como Amazon e MELI, que têm um forte ecommerce, também se beneficiam de network effect.
Por fim, um mercado com eficiência de escala é aquele em que a quantidade de empresas já cobre perfeitamente aquela demanda - que é bastante limitada-, gerando uma barreira de entrada, uma vez que um novo entrante precisaria ter como dispêndio uma grande quantidade de capital e, para conseguir market share, precisaria dispor seu produto ou serviço a um preço substancialmente menor que os demais - o que prejudicaria os retornos de todos os players daquele mercado, trazendo os retornos a um nível abaixo do custo de capital. Por este motivo, o mercado não tem novos entrantes.
Compreender se as vantagens competitivas de uma determinada companhia são de fato sustentáveis é um verdadeiro desafio. Estes pontos são alguns dos que li em alguns materiais que ajudam o investidor/analista a identificar moats que protejam seus retornos sobre capital investido com maior facilidade.
Obrigada por ler!