Meus doces, bom dia.
Entre a temporada de resultados, debates sobre dominância fiscal, viagens canceladas, OPAs e tantas outras narrativas, uma pauta sobressai nesta semana: o Trump Trade e seus efeitos no mercado de capitais.
Por aqui, a conversa furou nossa bolha. Os níveis do dólar e do bitcoin voltaram a ser pauta de grupos de amigos e cafés da manhã.
Os ativos que tenderiam a se beneficiar caso a eleição do candidato republicano se concretizasse (dólar, ouro, bitcoin, short em USTY e algumas posições setoriais que se beneficiam com o segundo governo Trump, como bancos regionais e empresas de defesa europeias) tiveram um arrefecimento considerável no início desta semana - em decorrência não só da acelerada da campanha da candidata democrata nos swing states mas também do seu efeito em… plataformas de apostas.
Eis, meus amigos, o poder das narrativas em gerar assimetrias no nosso Mr. Market maníaco-depressivo: elas se materializam nas expectativas do mercado.
Se o mercado é composto de entidades que são compostas de pessoas e pessoas não conseguem ser racionais 100% do tempo, inevitavelmente, o mercado não é eficiente - porque pessoas não conseguem ser. Pessoas estão condicionadas a ter uma compreensão imperfeita da realidade.
Vou lhes dar um exemplo.
Isto não é um cachimbo
Olhem o Magritte acima. É uma obra muito tradicional do surrealismo francês que nos atenta a nossa compreensão limitada da realidade, como humanos, de uma forma extremamente básica.
A frase em francês no quadro diz: Isto não é um cachimbo.
A sua primeira reação, caso nunca tenha visto esta obra antes, é questionar. “Mas é claro que é um cachimbo”.
E então seu professor de artes possivelmente responderia: então pegue-o e fume-o.
E então você perceberia porque o nome da obra é a traição das imagens. Um cachimbo e a imagem de um cachimbo são coisas diferentes. Mas quando você lê “isto não é um cachimbo” abaixo da imagem de um cachimbo, seu cérebro confunde o conceito de definição e representação. E só num segundo momento você entende que as coisas não são o que parecem ser.
Você se pegou contestando uma afirmação a partir de um viés cognitivo.
O que isso tem a ver com mercado?
Pessoas alocam capital a partir de vieses cognitivos - especialmente causado por newsflow - a todo momento, o que faz com que narrativas sejam incorporadas nos preços. Muitas vezes as pessoas ‘apostam’ na valorização de ativos tendo como embasamento uma premissa que também pode ser errada - e por esse motivo ocorreu um recuo de todo o pacote do Trump Trade conforme foi chegando ao fim a corrida presidencial - a narrativa, há poucos dias, passou a ser outra. Com a eleição de Trump, nesta terça-feira, o fluxo virou, mais uma vez, para o pacote do Trump Trade, e assim por diante.
Gosto do conceito da teoria da reflexividade do George Soros, em que num primeiro momento, suas expectativas dependem do cenário. No segundo, o cenário é influenciado pelas expectativas dos agentes. Tanto as expectativas quanto a realidade se co-alteram e se retroalimentam. Reflexividade.
Isso traz uma contrapartida ainda mais interessante: o mercado consegue influenciar os eventos que consegue antecipar, justamente por ser a representação (maníaco-depressiva e histérica) das expectativas dos seus agentes.
Basta ver que o ministro teve sua viagem para a Europa cancelada em decorrência de (de uma forma simplista)… expectativas. Risos.
Make Brazil Great Again
A mudança de humor - seja Trump/Kamala Trade, seja a questão do endividamento público e o efeito das sinalizações do governo sobre o fiscal - do mercado já é uma velha conhecida. E longe de mim querer fazer nenhuma predição, mas eu já ouvi que o Brasil ia virar Argentina algumas vezes por conta de assimetrias nos preços, e não estou assim tão velha.
Meus senhores, não se desesperem. Um gestor de multimercados bem humoradamente me disse uma vez: “mercado é que nem baile funk, tem todo dia”. Onde há incorporação de narrativas, há uma assimetria. E onde há assimetria, há uma oportunidade (e uma pessoa desesperada na contraponta).
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Clara Sodré
Mais um texto excelente e muito ilustrativo do cenário atual! Recomendo a leitura!