Sobre a utilidade marginal decrescente
Breve ensaio refletindo sobre o lado não tão bonito da obstinação
Persistência da Memória, Salvador Dalí, 1931.
Meus doces, bom dia.
Esse post é uma epifania que une um conceito econômico, um quadro do Dalí e uma reflexão de vida. Acho que sintetiza bem essa newsletter. Aprendizado sobre algum tema relacionado ao mercado, artes e uma digressão qualquer de mesa de bar. Aviso também que tem um aviso bem importante no final que acho que pode lhes interessar.
Confesso pra vocês que depois dos números do post sobre o legado do Banco Garantia, fiquei alguns dias em choque e com medo de não conseguir fazer outro à altura dele. Pensando em como eu conseguiria uma ideia que captasse tantos novos leads e quebrasse novamente os recordes desde que comecei, em junho.
E a verdade é que talvez eu não vá conseguir, mesmo.
Veja, esse é um mal do nosso tempo e especialmente da minha geração. Consigo ver nas pessoas que têm mais ou menos minha idade dois grandes grupos: o primeiro, de pessoas que ainda estão vivendo a adolescência tardia; o segundo, de pessoas nos seus 20-30 anos com sede de ganhar o mundo. E já há algum tempo tenho estado cercada de pessoas que fazem parte desse segundo grupo, e aqui em São Paulo, a maioria trabalha ou é muito interessado no mercado.
Tenho percebido um fenômeno, talvez não apenas entre nós que somos mais jovens. Temos tido obsessão por ser o mais produtivos que pudermos ser, pensar sempre nos próximos passos, em como podemos melhorar um pouquinho que seja para entregar mais resultado, adquirir mais conhecimento, gerar mais valor.
E não há absolutamente nada de errado em toda essa obstinação, num primeiro momento. Ser diligente e focado é muitíssimo importante.
O problema é quando abdicamos muitas vezes de nossos momentos de lazer, ou pior, de celebrar nossas pequenas conquistas, pensando sempre no quanto ainda podemos melhorar e nesses tais próximos passos. Foi isso que eu percebi quando pensei “não vou conseguir fazer um post tão bom, nunca mais vou ter uma ideia igual a essa”. Meu primeiro pensamento nunca foi “que bacana que eu consegui toda essa visibilidade”. Foi “OK. E agora?”
Passemos então para a economia. Vamos falar sobre o título dessa news, a utilidade marginal decrescente. A utilidade é um conceito econômico que busca mensurar o quanto de satisfação uma pessoa consegue a partir da obtenção de um bem ou serviço. A utilidade marginal decrescente, como o próprio nome diz, traz consigo uma máxima extremamente importante: quanto maior a disponibilidade daquele bem cuja utilidade se busca mensurar, menor será o valor atribuído a ele.
O que é puramente um viés de escassez, em alguma medida. Você atribui alto valor para aquelas coisas que lhe são escassas.
Pense no clássico exemplo da água e do diamante. Diamante é um bem muito mais escasso que água, no planeta. No entanto, se você está num deserto, a água passa a ter muito mais utilidade. Isso traz outra premissa importante: utilidade depende do contexto.
Talvez por isso nós, pessoas jovens, não damos tanto valor ao tempo presente e estamos sempre arrependidos com o passado ou obcecados com o futuro: temos a falsa sensação de que temos tempo demais em nossas mãos. Para nós, temos todo o tempo do mundo.
O Persistência da Memória do Dalí é talvez o quadro mais importante do movimento surrealista. E acho que ele trás uma mensagem extremamente importante.
Dalí sempre teve apreço por unir em suas obras dois grandes interesses pessoais: a psicanálise e a teoria da relatividade. No campo da psicanálise, Dalí gostava de transpassar para as telas a importância do subconsciente no processo criativo do ser humano. O manifesto Surrealista bebe muito da teoria psicanalítica de Freud, e dita que esse movimento, que buscava questionar o establishment francês, se propunha a não ter bordas e moldes cronológicos, lógicos ou estéticos.
Um relógio é um objeto que tem por função marcar o tempo. Os relógios de Dalí estão distorcidos e derretendo, mas cada um marca uma hora diferente, perdendo sua função principal. O intuito é demonstrar que as coisas têm significado atribuído porque nos foram introduzidas dessa maneira.
Além disso, os relógios derretem (uma inspiração que Dalí teve porque comia um queijo camembert enquanto pintava o quadro) para demonstrar que o tempo passa e se dissipa sem que possamos controlá-lo. O uso de tons quentes na paisagem é proposital para intrigar o espectador.
O tempo no mundo dos sonhos é irrelevante, porque “tempo” não é um conceito com significado socialmente atribuído no inconsciente. Daí a mosca no relógio: “time flies”. Também porque a mosca é um símbolo de putrefação e o tempo está sempre se esvaindo, se deteriorando, escapando pelos nossos dedos. O tempo que passa não volta. Tempo morre um pouco mais a cada segundo. O relógio com as formigas em cima, virado para baixo, também é um símbolo da putrefação do tempo.
A árvore no quadro é uma oliveira, uma árvore que demora vários e vários anos pra crescer. A árvore está seca numa paisagem quente e árida, demonstrando os vários ciclos da natureza (a árvore, um símbolo de nascimento, num ambiente árido semelhante ao deserto, onde nada com vida parece crescer). O crescimento de uma árvore grande como a oliveira é um processo que leva… tempo!
Poderia falar também do simbolismo do próprio Dalí nesse quadro, mas sairia do ponto principal: tempo é sempre um recurso escasso, não importa quantos anos tenhamos. Não deveríamos tratá-lo como de pouco valor porque ainda temos muito.
Voltando ao que eu estava pensando ao longo dessas semanas. Pude refletir só há pouco tempo sobre como ocorreram uma série de mudanças ao longo desse ano na minha vida. Me formei há pouco menos de 5 meses e sou do interior da Bahia. Trabalhar na Faria Lima era um sonho que eu não considerava possível sem estar formada e com uns bons cinco anos de carreira (aliás, é um sonho relativamente recente, pois tive muitos sonhos antes do mercado). Depois de me formar, me mudei pra São Paulo, mudei para uma carreira que sonhei por muito tempo (ser analista de equities no buy side), entrei no mestrado numa instituição que sempre admirei.
E percebi muito recentemente que não comemorei nada disso. Só pensei “E agora? Qual o próximo passo? Será que já estudo pro CFA? O que eu preciso fazer?” e nunca pensei como eu já quis muito tudo isso que eu vivo hoje.
E a reflexão que eu queria deixar aqui hoje é só essa. Um dia a gente já quis muito tudo que temos hoje. Ser obcecado pelo seu futuro é incrível, mas ser grato a você mesmo por ter tido obstinação e correr atrás do que você sempre quis é melhor ainda.
Uma das minhas músicas favoritas tem uma letra muito preciosa sobre nossa pressa de ganhar o mundo:
Slow down, you crazy child
You’re so ambitious for a juvenile
[...]
Slow down, you’re doing fine
You can’t be everything you wanna be before your time
Celebrar é tão importante quanto vencer. Essa é a mensagem que eu queria deixar pra vocês hoje. E desculpa não ser mais uma news falando sobre análise qualitativa, ou livros. Mas se essa mensagem puder cativar uma pessoa só, eu sinto que já valeu a pena, porque depois que percebi isso tenho enxergado tudo de outra forma.
Post Scriptum:
Estou entrevistando mais de 10 gestores de recursos para fazer um post super, super especial ainda esse ano e acredito que vocês vão gostar demais do que eu estou escrevendo. Deve sair dentro dos próximos dias. Depois dele, faço um post ao final de dezembro e nos vemos em 2023.
O motivo da divulgação é que eu quero que você me responda uma pergunta: se você pudesse fazer uma única pergunta para vários dos melhores gestores do país, qual seria?
Obrigada, mais uma vez, por abdicar de uma pequena fração do seu recurso mais precioso e escasso (seu tempo) e ler esse projeto!
Nos vemos na próxima semana!
Os seus textos sempre me fazem refletir um bocado, parabéns, tu é incrível.
Muito bom! Você é genial!