Meus doces, bom dia.
O PoderData divulgou em outubro um dado assustador: 30% dos beneficiários do Bolsa Família (16 milhões de brasileiros, aproximadamente, se você estende a amostra da pesquisa ao número total de beneficiários) afirmou já ter arriscado parte do dinheiro do programa em apostas esportivas e, destes, 26% afirma já ter contraído dívidas por conta de gastos em bets.
Talvez você me responda: “não sou beneficiário nem jogo no tigrinho, o que eu tenho a ver com isso?”
Pois bem.
dívida é bom?
Depende de quem você é.
Em qualquer lugar, existem pessoas que têm muito capital e outras nem tanto. O trabalho do mercado financeiro, inclusive, é deslocar capital de agentes superavitários para agentes deficitários, remunerando os superavitários pelo preço do dinheiro no tempo. Se a diligência é bem feita e a dívida é paga, ambos saem ganhando.
A contrapartida da dívida contraída pelo agente deficitário é o imediato poder de compra. O quanto essa dívida é bem vinda depende, portanto, do quanto este agente consegue usar esse poder de compra de maneira produtiva, a fim de gerar receita suficiente para honrar a despesa financeira e o montante a ser amortizado.
O Estado recolhe sua receita via impostos todos os dias e emite dívidas para financiar seus custos e seus gastos. Funciona como qualquer empresa ou pessoa, mesmo.
Porém os Estados, especialmente fundados em social-democracias, fazem uma série de políticas assistencialistas. O quanto esse dinheiro é produtivamente usado (ou seja, gera o ganha-ganha que mencionamos) depende de como o agente deficitário usa esse recurso.
Se o dinheiro que é dirigido a alguma política assitencialista é designado, i.e., para o Tigrinho e apostas esportivas em geral… Bom… Os recursos não estão sendo devidamente alocados.
Acho que a sabedoria popular os chama de ‘jogos de azar’ por um motivo.
E nessa brincadeira (como perdão do trocadilho), se foram R$3bi do governo em apostas esportivas. Dinheiro que poderia ser utilizado, por exemplo, para pagar contas ou bens que melhorem a qualidade de vida destas pessoas. Para além da questão dos beneficiários, a cifra gasta em apostas esportivas em 2023 e 2024 ultrapassa a casa dos R$60bi - que poderiam estar no varejo, serviços ou turismo, por exemplo.
o tigrão(inho) vai te ensinar
Nessa última segunda-feira, o ministro do STF Luiz Fux deu início a uma audiência pública visando a regulamentação das plataformas de apostas no Brasil. Para ele, nenhum beneficiário de programas assistencialistas deveria utilizar os recursos advindos do governo para apostar.
Esse problema, infelizmente, não afeta só pessoas das classes mais baixas. Muitas pessoas da classe média, segundo os dados do PoderData, também se endividam por conta de vício nestas plataformas. E isso denuncia, infelizmente, o baixíssimo acesso à educação financeira que têm as pessoas do nosso país.
O problema, inclusive, é muito maior do que só o ponto de vista econômico. Relações sociais e o senso de valor das pessoas são dilapidados por conta de plataformas de apostas e seus mecanismos de indução ao vício. Basta pensar rapidamente em pessoas que seguiram calls de opções em redes sociais sem fazer uma mínima diligência e nas mensagens desesperadas que mandam para diversas pessoas que atuam no mercado financeiro.
Não vou dizer para vocês que, num país que mal atende saneamento básico a toda a população, deveríamos pensar em introduzir educação financeira nas escolas públicas. Seria um reducionismo absurdo apresentar a um problema desta proporção essa solução - especialmente quando consideramos a situação fiscal do nosso país, que deveria se preocupar em cortar gastos, não em expandi-los.
No entanto, o fato de as pessoas não enxergarem as apostas como um entretenimento parece denotar que entregar dinheiro sem a educação financeira é uma solução muito distante de uma alternativa emancipatória para camadas mais baixas da sociedade, e sim uma muleta para um problema estrutural muito mais sério - tornar ineficientes as políticas públicas e atrapalhar a geração de renda sustentável no nosso país.
e não para por aí
Segundo o Santander, as bets podem implicar em risco de crédito para bancos voltados para pessoa física de baixa renda… entre eles o Nubank.
Em nota, o Nubank disse que um percentual irrisório do pix foi destinado às bets, mas independentemente, é importante ressaltar que o problema das bets é muito maior do que a evasão de capital de programas assistencialistas - é uma disfunção na alocação de recursos do nosso país que acentua a desigualdade de renda e, reiterando, expõe nosso baixíssimo conhecimento financeiro.
Na contramão destes argumentos, times de futebol dizem que a quota fixa de bets regulamentadas criaria um colapso no futebol brasileiro, porque afetaria a saúde financeira dos clubes - muitos deles patrocinados por estas plataformas. Segundo o Valor, a nota diz que 15 dos 20 clubes que estão na 1ª divisão do campeonato brasileiro têm empresas de bets como patrocinadoras masters e 19 dos 20 possuem algum tipo de patrocínio. Em outras palavras, os times perderiam uma fonte de receita importante para contratar novos jogadores e honrarem suas dívidas - receita esta vinda dos lucros das bets, advindas destes jogadores.
Essa justificativa, na minha humilde opinião, parece ser a perfeita representação de um ditado comum na Bahia: “farinha pouca, meu pirão primeiro”.
“Mostre-me os incentivos e te mostrarei o resultado”
Charlie Munger
Qual a opinião de vocês sobre a regulamentação das bets?
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