Meus doces, bom dia.
Quinta-feira é dia de ‘happy hour’ – e de newsletter. Mas já pararam para pensar sobre o significado do ‘happy hour’ na quinta-feira?
A ‘hora feliz’ da nossa semana acabou se consolidando como algo cultural no meio corporativo, especialmente em setores que são muito analíticos – mesmo porque o ofício de avaliar investimentos, fazer planilhas, revisar processos e gerenciar riscos pode ser, por vezes, entediante. Uma válvula de escape no meio da semana com direito a uma porçãozinha de pastel e um chope gelado no Espírito Santo. Eu diria, com convicção, que algumas pessoas gostam mais da quinta-feira do que da sexta-feira. E não tiro a razão.
Aliás, essa é uma coisa que meus amigos que trabalham com M&A falam sobre quem trabalha com public equities: como jamais aguentariam uma rotina que é todo dia, tudo sempre igual.
Mas é exatamente essa previsibilidade que faz o mercado, às vezes, tomar decisões… criativas.
Existe um fenômenono mercado financeiro que ninguém fala abertamente: o efeito do tédio.
Sabe quando as cotações ficam de lado, o índice não anda, a volatilidade some e parece que não tem mais nada acontecendo? Pois é. Para muitos investidores, isso significa algo perigoso: previsibilidade demais. E previsibilidade é o oposto do que move dinheiro no mercado. Quando ouvimos que “o mercado não lida bem com incertezas”, é exatamente sobre momentos de grande volatilidade e do famoso temperamento maníaco-depressivo.
O que acontece quando investidores pessoa física se veem presos em um marasmo? Eles começam a buscar risco onde não deveriam. É nesse momento que narrativas exóticas ganham força (alô, NFTs e memecoins), bolhas se formam e ativos improváveis viram a nova grande aposta.
Já vimos esse roteiro antes. Em mercados emergentes, no setor de tecnologia, no frenesi das criptomoedas. Sempre que há dinheiro sobrando e pouca emoção, o mercado encontra um jeito de se entreter. E, muitas vezes, esse jeito envolve inflar ativos que ninguém prestava atenção até ontem.
Isso tem nome: excess liquidity. Quando há muita liquidez no sistema e pouca volatilidade, os investidores sentem uma necessidade quase compulsiva de fazer algo. Afinal, não dá para deixar dinheiro parado quando todo o mercado está na mesma expectativa, esperando o próximo grande movimento. Isso gera ciclos de especulação onde qualquer ativo pode virar a aposta da vez – e quem entra tarde na festa normalmente paga a conta.
Esse comportamento é bem documentado em estudos sobre viés cognitivo e tomada de risco. Daniel Kahneman, prêmio Nobel de Economia, fala sobre como investidores odeiam a sensação de inação. Psicologicamente, fazer alguma coisa – mesmo que não seja a melhor decisão – é mais confortável do que simplesmente esperar. Isso explica por que, em momentos de estabilidade, o mercado força uma narrativa que justifique a busca por retornos exponenciais.
A bolha das "meme stocks" em 2021 foi um exemplo perfeito disso. Com juros zero e dinheiro fluindo livremente, investidores entediados começaram a buscar oportunidades cada vez mais improváveis. O que começou como uma brincadeira no Reddit transformou ações esquecidas em verdadeiras montanhas-russas financeiras. O mesmo aconteceu com as criptomoedas em diferentes momentos e com ativos que ninguém sabia explicar muito bem, mas que, de repente, dobravam de preço em questão de semanas.
Isso não significa que essas apostas sempre dão errado. Algumas realmente se tornam tendências legítimas. Mas a pergunta que ninguém faz é: o mercado está investindo nisso porque faz sentido ou porque precisa de uma nova história?
A verdade é que o mercado é movido por dois impulsos principais: ganância e medo. Mas, entre esses dois extremos, existe um estado intermediário – a apatia. E é nessa fase que os investidores tomam algumas das piores decisões possíveis, porque a busca por rentabilidade os leva a apostar em narrativas cada vez mais frágeis.
E a grande questão agora é: estamos entrando nesse ciclo de novo?
Com o mercado começando a se acostumar com juros altos, os sinais já começam a aparecer. A atenção se volta para setores mais arriscados, as small caps voltam para o radar, e os ativos mais voláteis começam a ganhar protagonismo.
Se tem uma coisa que sabemos sobre o mercado financeiro é que ele detesta ficar parado. Quando não encontra emoção, ele inventa.
Somos mais de 3.500 investidores, CEOs, fundadores, gestores de fundos de investimentos, analistas de equity e crédito, assessores, profissionais de M&A, family offices e fundos de Private Equity e Venture Capital. Entre custódia e administração, esta base de e-mails movimenta alguns bilhões de reais.
Obrigada, como sempre, por dedicar uma fração do seu ativo mais precioso - seu tempo - e ler essa newsletter.
Clara Sodré
Parabéns, Clara! Excelente texto. Uma verdadeira coluna sobre o efeito da incerteza sobre o comportamento dos ativos financeiros. O trabalho do Kahneman e dos modelos ARCH formalizaram a psicologia do tédio tão bem descrita no texto.
E a alusão ao HH me lembra uma frase q gosto mto, a gente não faz festa pq a vida é boa, mas pra espantar a miséria da morte. A luta do corpo pela vida é a comemoração.
👏👏