Sobre líderes
Liderança não é uma escusa para fazer menos, é a responsabilidade de fazer sempre mais
“The Blind leading the Blind”. Peter Brugel the Elder, 1568.
A obra de Peter Brugel (o Velho) mostra um homem cego que lidera um grupo de seis pessoas (todas elas cegas). A pintura é uma retratação da parábola que Jesus Cristo conta aos fariseus em Mateus 15:14:
“Deixai-os. São cegos e guias de cegos. Ora, se um cego conduz a outro, tombarão ambos na mesma vala”
A capacidade de gerir pessoas e de liderar uma equipe me parece algo bastante subestimado. Por vezes, um líder inapto pode levar um fim trágico ao grupo como um todo. Isso é o que essa obra se dispõe a retratar. Uma narrativa de uma pessoa despreparada que lidera um grupo, também despreparado, levando ao buraco logo à frente na pintura.
Revisitando um pouco minhas vivências pessoais e muito inspirada no livro Leaders Eat Last do Simon Sinek, queria falar um pouco sobre liderança e a importância da figura do líder numa cultura de empresa. Longe de mim ser uma especialista no assunto, mesmo porque nunca estive na posição de líder em uma empresa (somente um projeto de faculdade ou outro, o que acredito ser uma experiência muito menos skin in the game). A experiência que eu tenho obviamente vem dos lugares que eu trabalhei ao longo desses extensos vinte e quatro anos. (risos)
Por que vivemos em tribos?
Seres humanos conseguiram se adaptar e sobreviver na história do mundo (do ponto de vista biológico) devido a nossa habilidade sofisticada de comunicação - decorrente do desenvolvimento do nosso neocortéx, parte do cérebro responsável por resolução de problemas - e também ao fato de sermos animais altamente sociáveis.
Não somos animais tão propensos a superar as adversidades da natureza - não temos tantos pelos para sobreviver a um frio rigoroso, não temos presas ou garras afiadas para um embate com outro bicho, não somos animais tão altos, tão fortes ou tão ágeis quanto outros. No entanto, nossa capacidade de cooperação não só nos fez capazes de sobreviver - nós também prosperamos. Incontáveis animais também sobreviveram, mas sua expectativa de vida é semelhante ao que era há milhares de anos atrás. A expectativa de vida de um ser humano é muito diferente de cem anos atrás. Somos tão bons em cooperar e resolver problemas que conseguimos moldar o ambiente à nossa volta, em vez de permitir que o ambiente selecionasse espécies mais adaptáveis que nós.
Como efeito da alta habilidade de comunicação e social, a vida em comunidade passou a ser uma cultura comum da nossa espécie. Sobrevivemos através da vida em comunidade, e a vida em comunidade permite que nos protejamos de perigos externos.
Organizações e empresas, nesse sentido, são as tribos modernas. Têm símbolos, linguagem e culturas próprias. Têm processos próprios. E como qualquer tribo, existem empresas com culturas fortes e existem empresas com culturas fracas.
Por que formamos hierarquias?
Por mais que gostemos de dizer que somos todos iguais, vamos encarar a realidade:
Não somos.
Quando nos reunimos em tribos, milhares de anos atrás, e os caçadores traziam carne para que nos alimentássemos, todos corriam para comer e tentar pegar o melhor pedaço, antes que acabasse. Os homens da tribo se empurravam para pegar carne. Por consequência, aqueles que eram mais fracos corriam risco de se alimentar menos ou ficar sem comer, o que, obviamente, não é interessante para a sobrevivência da espécie. Sendo assim, o ser humano desenvolveu uma forma de organização muito interessante: formamos hierarquias e selecionamos líderes.
Em vez de brigarmos com pessoas mais fortes que nós pela comida, nós deixamos que eles comam primeiro. Essas pessoas mais fortes, a quem mostramos deferência, aumentam seu status no grupo e despontam como líderes. O motivo de deixar a pessoa mais forte comer primeiro é simples: quando aparecia uma ameaça externa, essa pessoa tinha a obrigação de defender a tribo. Liderança vem com um preço. Não é só um status de poder. É uma responsabilidade.
Leaders are the ones who run headfirst into the unknown.
They rush toward the danger.
They put their own interests aside to protect us or to pull us into the future.
Leaders would sooner sacrifice what is theirs to save what is ours.
And they would never sacrifice what is ours to save what is theirs.
This is what it means to be a leader.
It means they choose to go first into danger, headfirst toward the unknown.
And when we feel sure they will keep us safe,
we will march behind them and work tirelessly to see their visions come to life
and proudly call ourselves their followers.
Se nos primórdios da humanidade os líderes comiam primeiro… Por que o livro se chama ‘leaders eat last’?
Veja, antes de adaptarmos o mundo conforme nossa necessidade, os recursos eram escassos e as ameaças eram enormes para a sobrevivência. Hoje, me parece o contrário: os recursos são abundantes (me refiro a comida, por exemplo) e as ameaças são bem menores.
Sinek usa como exemplo organizações de alto nível hierárquico, como a Marinha e o Exército. Nestas organizações, com forte cultura e valores compartilhados, existe a compreensão da necessidade do trabalho em equipe, há uma grande confiança entre seus membros, um foco e diligência absurdos e os relacionamentos interpessoais são muito importantes para que a organização como um todo atinja seus objetivos. Na Marinha, os mais seniores comem por último nas refeições. Não porque lhes foi exigido, mas porque é tacitamente acordado: o verdadeiro preço da liderança é estar disposto a colocar as necessidades da sua equipe acima da sua própria.
O sentimento de pertencimento, os valores compartilhados e o senso profundo de empatia impactam amplamente a confiança, a cooperação e a resolução de problemas. Assim, a equipe fica mais atenta às ameaças externas, porque sabem que não há uma ameaça interna.
O que isso tem a ver com empresas, ou com o mercado?
Veja, como seres sociáveis, queremos trazer orgulho para nossa equipe, seja nossa família, nossos amigos, e sim, inclusive a empresa em que trabalhamos. É daí que vem toda a lógica da serotonina: é um hormônio que é liberado quando sentimos que nosso grupo se orgulha ou gosta de nós. Não é que gostamos da aprovação da nossa tribo: nós precisamos dela.
O sentimento de pertencimento numa companhia é importante justamente por isso: não é interessante que sua equipe trabalhe para receber seu dinheiro. É interessante que a equipe trabalhe para trazer orgulho para a própria equipe. Quando há um ambiente onde o líder protege seus liderados (de quaisquer ameaças que sejam) e eles se sentem seguros e escutados, as pessoas naturalmente cooperam e buscam fazer a companhia ficar cada vez maior - não só pelo incentivo financeiro, mas pelo sentimento de orgulho. O famoso ‘vestir a camisa da empresa’. Trabalhar com senso de obrigação vira trabalhar com senso de orgulho.
Já tive a experiência não tão agradável de ter um chefe que ‘governava’ pelo medo. Não por ser uma pessoa exigente - isso é natural ser - mas sim por ser habitual ver todo tipo de humilhação em reuniões de equipe, a nível profissional e pessoal, tendo por escusa uma personalidade excêntrica. Isso na minha breve experiência trabalhando com arte, isso na minha breve experiência trabalhando no mercado. O problema é que a maneira como se posiciona o líder, molda a cultura. Como se molda a cultura, se molda a companhia. Ser um líder que causa medo para sua própria equipe faz com que não haja sentimento de pertencimento. O ambiente de trabalho deixa de ser um ambiente em que você se sente valorizado e vira um ambiente que você tem medo. Em vez de se preocupar com o coletivo e com ser útil para o seu grupo para se sentir valorizado, você se preocupa consigo mesmo e em como não ser demitido todos os dias. Crítica, paranoia e egoísmo prevalecem nesse tipo de ambiente.
Um erro comum das grandes organizações, segundo Simon Sinek, é o fato de os líderes verem pessoas como uma commodity que deve ser administrada para ajudar a aumentar o lucro. Para ele, o correto é ver o dinheiro como a commodity que deve ser administrada para ajudar a fazer as pessoas da companhia crescerem. Quanto melhor a performance de uma organização em que as pessoas têm esse senso de pertencimento, mais combustível haverá para que as pessoas deem tudo de si para fazer a companhia crescer mais e mais e se sintam valorizadas - tem um efeito compounding gigantesco. Ver o dinheiro como um meio para fazer crescer as pessoas, e não o contrário, é fundamental para criar uma cultura corporativa em que as pessoas estejam obstinadas a trazer resultado.
Como sempre, quero te agradecer por abdicar de uma pequenina fração do seu ativo mais valioso.
Obrigada por ler!
Excelente texto! 👏👏
Parabéns Clara pelo ótimo texto sobre liderança, agregou muito em minha busca sobre o assunto.