Meus doces, bom dia.
O quadro acima é um Goya clássico que relata a história de titã Cronos (na mitologia grega, também chamado de Saturno na mitologia romana), que toma o poder do seu pai Urano ao defender sua mãe Gaia, e passa a ter medo que seus filhos façam o mesmo. Para impedir qualquer ameaça à sua soberania, Cronos devora seus filhos logo que eles nascem. O filho de Cronos (Hades, Poseidon, Deméter, Hera ou Héstia) tem uma forma de uma pessoa, não por acaso: o tempo consome a vida humana.
E, aliás, não é só a vida que o tempo corrói conforme se espreguiça, se alastra e se alonga. O tempo corrói todas as coisas, que apodrecem, quebram, morrem, se esmiúçam ou perdem valor.
Tem um trecho do livro ‘Sínteses da Fé Católica’ que gosto muito, sobre esse mesmo assunto: “[...] não há nada que possamos reter para sempre. [...] Tudo traz em si o selo da caducidade, oculto entre promessas. Porque o horror e a vergonha de todas as coisas é serem caducas, e, para cobrirem essa chaga vergonhosa e enganarem seus incautos, disfarçam-se com trajes coloridos”.
O tempo tem dentes afiados que destroem até mesmo as coisas mais sólidas, diria um poeta grego. A beleza se evade conforme os anos formam seus vincos e marcas nas pessoas. A plasticidade de um cérebro humano fica menos eficiente com o passar dos anos, a paixão e o desejo em relacionamentos eventualmente vão embora, a força de uma pessoa decai significativamente depois dos 30 e os efeitos da inflação corroem um patrimônio, quando é tão somente poupado.
Neste mesmo sentido, as coisas e ideias que realmente perduram no tempo são aquelas que provaram resistir e persistir mesmo com uma série de adversidades.
Schopenhauer diz sobre a erudição que “a cada trinta anos desponta no mundo uma nova geração, pessoas que não sabem nada e agora devoram os resultados do saber humano acumulado durante milênios, de modo sumário e apressado, depois querem ser mais espertas do que todo o passado.”
Gosto de um modelo mental que vem da matemática financeira e que é bem aplicável a várias coisas que é o efeito dos juros compostos - que é basicamente um mitigador do efeito do tempo em algumas destas coisas.
Todos os retornos da vida, seja em patrimônio, seja em conhecimento ou em relacionamentos, vem dos efeitos dos juros compostos
- Naval
O efeito ‘compounding’ não é algo que se limita apenas a ganhos de capital e acúmulo de patrimônio.
Quando alguém se torna CEO de uma empresa que vale seus bilhões de reais, por exemplo, é porque construiu relacionamentos no âmbito de negócios, dentro e fora da empresa, o que faz com que as pessoas confiem nele. Obviamente, quando você passa vários anos trabalhando com uma pessoa, você passa a confiar nela.
Quando você tem amigos de longa data, você obviamente confia neles, conhece suas qualidades e defeitos e a amizade se provou verdadeira ao passar do tempo.
O efeito compounding também serve por exemplo para habilidades. O problema do turnover de uma empresa não é - apenas - a questão da cultura, mas também o fato de que se leva algum tempo para que a pessoa seja uma engrenagem perfeita daquela organização
Devagar se vai longe, de tijolo em tijolo se constrói uma muralha e tantos outros ditados populares reforçam, ainda, um conhecimento que é muito antigo. Coisas que não perecem ao longo do tempo quando se dedica tempo e atenção - e estas são poucas coisas - criam a verdadeira riqueza.
Assim como ideias que perduraram ao longo de vários anos parecem ser as mais próximas da verdade ou pelo menos transmitem algo útil, porque já foram exaustivamente debatidas.
Veja que tratamos da mitologia da Grécia Antiga, um quadro de um espanhol do século XIX e um conceito advindo da matemática financeira, todos perduraram através do tempo.
Diria Afonso X de Castela com a sabedoria de quem entende o poder de testar as coisas no tempo:
“Queime lenha velha, beba vinho envelhecido, leia livros antigos e mantenha velhos amigos.”
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Clara Sodré