Existem algumas auto intitulações comuns a quase todos os investidores que têm apreço pela literatura do mercado financeiro. Value Investor. Multibagger-hunter. Alpha-seeker. Contrarian.
Ser um contrarian quer dizer, basicamente, que você opera na direção oposta ao sentimento geral de mercado – você certamente já ouviu a expressão “compre ao som dos canhões, venda ao som dos violinos”. Este provavelmente é um axioma cliché que sintetiza com alguma eficiência a essência de um contrarian. Só que como tudo na vida, falar é muito mais fácil do que fazer.
De uma maneira geral – e me perdoe desde já pela minha honestidade – acredito que pessoas que se auto intitulam algo, em geral, vivem numa síndrome do Efeito Dunning Kruger – estão há muito pouco tempo no mercado e por ter também baixo conhecimento tendem a superestimar a própria capacidade de encontrar verdadeiras assimetrias. Como consequência, se consideram bons value investors porque não consideram que podem ter tido... sorte. Tive um chefe (oi, Vini!) me deu uma lição espetacular neste sentido:
Era 30 de julho de 2020 e meu primeiro emprego no mercado. O Ibovespa tinha subido 53,7% desde o crash do Covid, em março do mesmo ano. Alguns dos nossos colegas estavam comemorando os gains em determinados ativos e meu trabalho envolvia, dentre outras coisas, acompanhar de perto a performance de alguns fundos e suas estratégias, assim como acompanhar suas cartas. Meu chefe me perguntou o que diferencia um bom gestor de um gestor que teve sorte. Procurei por alguns dias – sim, dias – , revisei diversas cartas e não consegui identificar qual era a diferença de um gestor competente de fato e um gestor sortudo – você não quer ter ser cotista num fundo de um gestor que “deu a sorte” de acompanhar um rally de bolsa quando entramos num bear market.
A resposta é simples: market timing.
Um bom gestor não é aquele que desempenha bem quando há um rally em bolsa. Um bom gestor é aquele que segue performando bem quando o mercado está em baixa e as pessoas estão apreensivas. Ser capaz de identificar o momentum de mercado e se beneficiar dele é ser o verdadeiro contrarian. E manter sua posição e sua convicção independente do ruído (ignorando todas as pessoas que dizem que o mercado está num momento completamente contrário à sua tese) é o que te faz um vencedor.
Dada essa introdução prolixa, queria compartilhar um caso prático que me foi lembrado por um amigo e que me parece ser um ótimo exemplo do que é ser contrarian, de fato.
Desde que comecei a investir (pouco depois do famoso “Joesley Day”), tenho apreço por assistir os desafios de valuation propostos por bancos, assets e outras instituições financeiras. Bank of America Research Challenge, BTG Experience, Constellation Challenge e CFA Research Challenge são algumas das competições mais prestigiadas pelos alunos de graduação aficionados por mercado financeiro. Um desafio específico, no entanto, teve um resultado que marcou a memória: o BofA Research Challenge de 2020 cuja empresa escolhida foi a Ferrari.
(Coincidência ou não, Damodaran cita no primeiro capítulo de Narratives and Numbers um exemplo prático de associar uma visão number cruncher e storyteller para fazer um valuation – exemplo este com a Ferrari!)
No momento, o mercado de carros de luxo buscava expandir sua receita entrando no mercado chinês – onde as famílias têm preferência por carros SUV, indo na contramão dos esportivos cabriolets que são o carro-chefe (rs) das grandes montadoras A-class, como Lamborghini, McLaren e mesmo Bentley, Maybach e Rolls-Royce. Tendo isto em vista, tanto a Ferrari quanto a Lamborghini deram headstart frente aos seus pares de mercado e buscaram criar modelos de carros que atendessem a esta demanda: a Lamborghini faria a icônica Urus e a Ferrari lançaria o SUV Purosangue.
A maioria dos modelos das universidades adotou como tese o fato de que a Purosangue seria um sucesso de vendas, expandindo o top line da empresa. Os finalistas em sua maioria recomendaram Ferrari como “buy” – à época, cotada por volta dos 170 euros a ação.
Um grupo, no entanto, teve como tese algo completamente oposto: segundo este grupo de finalistas, as vendas dos SUVs já estariam precificadas na ação – e havia, ainda, alguma assimetria no que diz respeito ao valor intrínseco da empresa e o que vinha sendo precificado pelo mercado. Sendo assim, em meio a vários outros finalistas que recomendaram compra, este grupo sozinho recomendou venda nos papéis de Ferrari.
Extraoficialmente, o processo de modelagem num desafio de valuation envolve uma pesquisa maciça com analistas do sell side. A maioria deles, dizem as estórias, também recomendavam compra no papel. O grupo finalista estava nadando contra a maré e contra o viés cognitivo da Dominant Logic Trap – uma armadilha mental em que uma pessoa tende a concordar com o pensamento de um grupo, famoso pensamento de manada. Acontece de tempos em tempos uma narrativa dominante que atrai cada vez menos escrutínio. Apesar disso, este grupo manteve a recomendação de venda – e acabou vencendo o desafio.
Uma tese comum ou de um grupo majoritário ou com maior poder social – analistas de sell side renomados apontando uma recomendação contrária àquela dada por estudantes universitários pouco experientes, por exemplo – é muitas vezes motivo de ruído no mercado. Um mercado é feito de pessoas e pessoas estão sujeitas a vieses cognitivos e impulsos psicológicos, motivo pelo qual existem assimetrias – são essas assimetrias que buscamos para termos ganhos substanciais.
Dessa história pode-se tirar três grandes lições:
1) A importância de se estudar a empresa que você investe – não apenas seguir a recomendação de casas de análise.
2) A partir do estudo, formular uma tese de investimentos a respeito do case e ter a sapiência de não se deixar levar pelas narrativas de mercado daquele momento
3) Entender que muitas vezes, ir contra a grande maioria não é necessariamente estar errado. Na verdade, os grandes criadores e pensadores da história se ativeram a suas teses quando uma maioria esmagadora estava contra (um transporte que voa, o sol no centro do sistema solar, entre tantas outras coisas) – e se manter firme apesar dos ruídos é o que os faz tão especiais.
Obrigada por ler!