Convergence, Jackson Pollock, 1952.
Uma coisa comum principalmente em matéria de arte moderna - e, especialmente, quando você já trabalhou num museu de arte moderna - é ouvir um tipo de comentário sobre obras abstratas (especialmente Pollock, mas também Mondrian e Kandinsky). Vê-se aquele monte de formas, rabiscos e respingos, que não dizem nada num primeiro momento, e escutamos prontamente um comentário:
“Como isso pode ser considerado arte? Até eu poderia ter feito isso.”
Geralmente tenho uma resposta pronta e bem humorada para essa pergunta, que já entonei algumas vezes:
“É? E por que não fez?”
A motivação é simples, nobre leitor. Um artista precisa preencher determinados espaços, ser apresentado e apreciado por certas pessoas e ser aclamado pelo establishment. Todo esse percalço tem um custo, especialmente reputacional, gigantesco. Certamente que um artista se perguntou se seria rechaçado (permanentemente, inclusive) pelo establishment ao pintar quadradinhos coloridos, ou respingos, ou formas aleatórias.
O que diferencia as pessoas que dizem “até eu faria isso” das que de fato fazem é uma coisa só: skin in the game.
O skin in the game é um conceito muito atribuído a Nassim Nicholas Taleb, pelo seu livro homônimo, que fala sobre as assimetrias do cotidiano. Uma das frases que eu mais gosto nesse livro, repetida incansáveis vezes, e que é o sentido todo por trás do skin in the game, é:
“Se você dá uma opinião e alguém a segue, você é moralmente obrigado a ser exposto às consequências do que falou”
Em outras palavras, se alguém é influenciado (ou manipulado) a adotar determinado curso de ação porque você fez bom uso de uma narrativa, é justo que você passe incólume caso a pessoa saia prejudicada? Ora, se você recebe as benesses (leia-se, os retorno$) de influenciar as pessoas, deveria, também, correr alguns riscos.
O debate moral, apesar de relevante, não é o foco, porque transita mais no campo das ideias. O que importa é que muitas vezes as pessoas passam, sim, incólumes e inconsequentes ao que falam. E em momentos acalorados que precedem pontos de inflexão, como o atual, diversos influenciadores e personalidades bradam suas opiniões: ‘compra bolsa! vende bolsa! bolsa tá caro! ibov é 130k!’. Existem os sempre otimistas. Os sempre pessimistas. Os cegos políticos. Os que se permitem mudar de opinião. Os pragmáticos sempre mais quietos e alocando com parcimônia.
Meu ponto não é expor minha opinião, apesar de eu ter uma. Muito tem me incomodado o posicionamento de alguns influenciadores, ao se o que inspirou essa postagem.
Fato é que você precisa tomar cuidado com quaisquer que sejam as narrativas, positivas ou negativas, porque ninguém além de você mesmo vai sofrer as consequências de fazer suas alocações baseado no ~fintwit sentiment~.
A ideia do skin in the game vem um conceito primordial, tanto na arte quanto na nossa área:
s i m e t r i a
A Última Ceia, Leonardo da Vinci, 1495.
É difícil falar de simetria sem falar de Leonardo da Vinci. O quadro acima, ícone da renascença italiana, movimento cultural, filosófico e artístico que prezava muito pela simetria e perfeição, é um dos mais famosos de Da Vinci.
Como típico do movimento renascentista, a temática religiosa é retratada a partir de uma perspectiva humanista e antropológica. Normalmente pensamos que o humanismo tem a ver com o secularismo e o anticlericalismo, mas na realidade a filosofia oferece apenas uma releitura da produção artística e científica que outrora era centralizada na Igreja.
O renascimento, portanto, não se afasta das temáticas religiosas, mas sim passa por elas mesclando com ideais humanistas como o próprio antropocentrismo, o método científico, a matemática, o ideal de beleza e perfeição (por exemplo a sequência de Fibonacci) e o racionalismo.
De volta à simetria do quadro: retrata a última ceia de Jesus Cristo antes de ser crucificado. Na obra, Jesus está no centro perfeito entre os 12 apóstolos, em que todas as linhas de fuga convergem para Ele. Os apóstolos estão equidistantes e se subdividem em seis de cada lado, esses seis subdivididos em dois trios.
A cena busca retratar o exato momento de João 13:11: “Pois Ele sabia quem iria traí-lo e, por isso, disse que nem todos estavam limpos.”, e os apóstolos reagem dramaticamente. É interessante notar que cada apóstolo é facilmente reconhecível: Judas tem em sua mão um saco com a recompensa pela denúncia, Pedro empunha uma faca que usaria para atacar um guarda durante a prisão de Jesus momentos mais tarde, e assim em diante. As emoções dos apóstolos são diametralmente opostas.
Diz-se também que todas as proporções do quadro são feitas respeitando a proporção áurea, ou divina proportione, que tem relação direta com a sequência de Fibonacci. Quando se escolhe dois termos sequenciais em fibonacci, a proporção deles será um valor igual ou próximo do número de ouro. Diz-se que a proporção áurea foi usada por da Vinci não só na última ceia mas em quase todos os seus quadros, inclusive a Monalisa.
Atrás da mesa, três janelas simétricas ao quadro, representando a Santíssima Trindade pelo quadro de temática católica. As mãos de Jesus e a cabeça formam um triângulo equilátero perfeito. O quadro é um verdadeiro exemplo de simetria, não à toa é uma referência do renascentismo.
No mercado, buscamos não a simetria, mas a falta dela. Ora, é a responsável pelo retorno, na medida em que é a assimetria entre o preço e o valor intrínseco que gera a valorização de um papel - na medida em que o mercado perceba aquela assimetria. No curto prazo, se uma ponta ganha, a outra perde. Assim ocorre com as assimetrias da vida real.
Criar narrativas te torna moralmente obrigado a ser exposto às consequências. Ou deveria. Pessoas nem sempre são responsabilizadas pelas consequências das coisas que falam, especialmente na nossa indústria, e temos inúmeros exemplos para atestar.
Na contraponta de quem cria as narrativas, só posso dizer: relações e interações são assimétricas. Cuidado com o wishful thinking (positivo e negativo, porque o negativo também existe) nos corredores. Tenha uma estratégia de alocação bem definida e se atenha a ela. Não fique mudando de estratégia para ganhar em todas as pontas, porque seu influencer favorito te disse para fazê-lo. Ele não corre risco pelo que você faz na sua carteira (apesar do fato de que deveria). Existe embasamento e opinião, mas também existe muito ruído.
Obrigada por ler!
Clara Sodré
Sensacional!!
excelente, como sempre!