Carga dos Lanceiros, Umberto Boccioni, 1915.
Meus doces, bom dia.
Existe um anseio em prever o potencial da tecnologia em causar mudanças estruturais - não só no nosso setor, mas no sistema como um todo. As mudanças na utilização de capital e trabalho não são senão uma busca natural dentro do sistema capitalista: otimizam recursos escassos, maximizam lucros, desencadeiam melhorias na produtividade e por consequência aumentam o crescimento econômico.
No mercado financeiro, algumas mudanças estruturais foram muito importantes para o desenvolvimento da indústria: a mudança de investimento ativo para passivo (ETFs e fundos de índices); o papel de P&D e dos ativos intangíveis nos ganhos de escala de uma companhia e o desenvolvimento e crescimento do segmento de private equity são só alguns dos exemplos que mudaram nosso setor.
Não por acaso a figura acima é a capa da newsletter de hoje: o movimento futurista foi um movimento literário e artístico que valorizava a tecnologia e a velocidade. Na virada do século XX, diversos segmentos se desenvolveram exponencialmente: a indústria bélica, a medicina, a comunicação, os transportes são só alguns dos exemplos que modificaram nossa maneira de se relacionar com o ambiente e uns com os outros, gerando mudanças estruturais e transformando a economia e a cultura no mundo.
Como elementos da vanguarda futurista, o uso de tons de cinza e preto, além das formas geométricas, dão uma ideia de forma, ordem e velocidade para as pinturas. Nesta pintura em específico também vemos elementos da guerra, um grande impulsionador das mudanças tecnológicas em todo o século XX - tanto pelas Grandes Guerras quanto pela Guerra Fria. A guerra é de fato um grande impulsionador de pesquisa e de revoluções na utilização de capital e trabalho (pensemos no rádio, avião, bomba atômica, penicilina, tanques e navios, a Máquina Enigma, mísseis e as mais diversas vacinas). Dialeticamente, o momento pós-guerras depois do século XX é sempre marcado por crescimento econômico e uma melhoria da expectativa de vida dos civis.
Aliás, o gráfico abaixo traz uma inferência interessante. Retirado do livro “The Measure of Civilization” de Ian Morris, ele mostra um índice que acompanha o desenvolvimento social através dos séculos, com uma ascensão exponencial da população E da qualidade de vida coincidindo com a Revolução Industrial - que introduziu os motores a vapor no nosso dia a dia, fazendo com que as máquinas fizessem parte dos trabalhos fabris.
Com o desenvolvimento da computação a partir da descoberta de Alan Turing (recomendo o filme “O Jogo da Imitação” e mais alguns sobre esse tema numa lista lá embaixo), as máquinas passaram a fazer não só nossos esforços físicos, mas também nossos esforços mentais: contas matemáticas, gráficos e planilhas, decodificação de línguas e mensagens criptografadas, processamento de informações e dados de uma maneira simples e descomplicada, dentre tantas outras coisas.
Existe, com justa razão, uma busca dos investidores em buscar mudanças revolucionárias nos mercados. Todas as últimas mudanças (computadores pessoais, revolução dotcom, smartphones e redes sociais/dados) foram responsáveis por algumas das maiores valorizações na bolsa da maior economia do mundo - basta pensar na valorização das Mag-7, apenas no ano passado:
Gráfico do site da Statista
Filme “Eu, Robô”, inspirado no livro do Isaac Asimov.
A inteligência artificial parece estar transformando não apenas os setores da economia, mas a relação do homem com máquinas de maneira geral. O que era há um tempo uma matéria dos livros do Isaac Asimov ou uma abstração teórica é, agora, algo que tem aplicabilidade prática em diversas esferas: diagnósticos na medicina, traduções de línguas, pesquisa, análise de dados para tomada de decisões, CX, automação de processos no varejo, dentre outras tantas coisas.
A literatura de Asimov, bem como filmes como “2001: Odisseia no Espaço”, “Matrix” e o “Exterminador do Futuro” foram algumas das obras que tentaram tratar do tema da IA e plantaram no nosso imaginário uma grande dúvida: quais são, efetivamente, os impactos desta tecnologia em nossas vidas?
A intenção por trás da inteligência artificial - e da computação como um todo - é a resolução de problemas, de forma simples e sistemática. Isso pode fazer com que algumas pessoas pensem que a IA pode substituir seres humanos em algumas funções - o que pode ser verdade em algumas delas, mas não todas. Existem algumas coisas que nós, seres humanos, temos facilidade em fazer e não conseguimos transpor essa mesma facilidade às máquinas. Trabalhos que envolvem algum nível de criatividade e pensamento estratégico, por exemplo, e aqueles que envolvem algum nível de soft skills e competências interpessoais - uma vez que robôs não têm ainda a capacidade de criar relacionamentos. É um exagero dizer que a IA substituirá toda a força humana do mundo, mas é leviano pensar que você pode se escusar de aprender sobre ela e, ainda assim, se manter especialista no seu mercado.
A IA tem relação direta com o segmento de semicondutores, uma vez que os chips fornecem a capacidade de processamento para treinar modelos de Machine Learning. Foi o desenvolvimento dos PCs, nos anos 80, o grande responsável pelo desenvolvimento da indústria dos chips, que, nos dias de hoje, estão presentes também em celulares, automóveis e tantas outras coisas do nosso dia a dia. Com o fim da bolha dotcom, o crescimento de receita da indústria de chips como um todo ficou parcialmente prejudicado, pois a maior demanda para os diferentes usos foi compensada pela perda de pricing power - e queda dos preços nos chips. Depois da crise, o setor parece maturar ano após ano, sendo a Intel sido desbancada pela TSMC, empresa taiwanesa de semicondutores, como líder do mercado, no ano passado.
Gráfico tirado do blog do Damodaran, cuja fonte é a Semiconductor Industry Association dos EUA.
Na corrida por dominar esse mercado, a Nvidia tem sido a grande vencedora (seguida da AMD e da TSMC), mostrando números astronômicos. No 1Q, teve uma receita de impressionantes US$26bi, 18% de crescimento em relação ao 4Q e 262% em relação ao 1Q do ano passado. No bottom line, houve um crescimento de 628% frente ao ano passado. A explosão da Nvidia se materializou num market cap de US$2,7tri, que criou um viés ainda maior num mercado que já é tech driven, e nos faz questionar se estamos diante de uma segunda versão da bolha dotcom.
1Q Results Nvidia
Gosto do trecho da newsletter que o Tony Volpon escreveu para a Empiricus, em que ele diz que “a melhor maneira de entender por que uma bolha não é somente uma expressão de ganância e irracionalidade, é de aplicar a teoria de opções reais para a valorização das empresas”:
“Em ambientes de rápidas inovações tecnológicas, não podemos somente fazer exercícios de valor olhando o resultado esperado e a taxa de desconto apropriada. Devemos perceber que boa parte do valor reside na capacidade de aquela empresa abrir novas frentes de negócios e lucro: de ter a opção de abrir essas frentes. E como no caso das opções financeiras, quanto maior a volatilidade tecnológica, maior o valor dessas opções reais.”
Esse é o contraponto: só o tempo dirá se os múltiplos (que são sim, muito altos) são um movimento irracional do mercado ou tão somente reflexo de uma revolução cujos impactos ainda não podemos mensurar. Uma mudança revolucionária desta magnitude mostra que ser o first mover faz uma grande diferença.
Algumas coisas legais:
Filme “O Jogo da Imitação” de Morten Tyldum
Filme “2001: Odisseia no Espaço” de Stanley Kubrick
Livro “Eu, Robô” de Isaac Asimov
Livro “A Guerra dos Chips” de Chris Miller
Podcast do Acquired sobre a Nvidia (no Spotify)
Posts sobre a Nvidia no Substack do Punch Card Investor
Post do Damodaran sobre AI no Musing Markets
Obrigada, como sempre, por dedicar uma fração do seu ativo mais precioso - seu tempo - e ler essa newsletter.
Clara Sodré
Parabens Clara.
Enxergo a IA como tendência de Revolução Cognitiva humana, onde chegaremos ao ponto de atrelar 100% da nossa cognição, desde o nascimento, a uma relação simbiótica com a IA.
As gerações futuras passarão a perceber e interagir com o mundo, 100% do tempo, com o seu apoio. 100% das atividades humanas contarão com seu apoio ou autonomia, inclusive o desenvolvimento da ciência.
O juízo de valor, se isso é bom ou ruim, deixo para eles. É eles que estarão convivendo 100% do tempo com uma "nova espécie".
Excelente artigo, como sempre.