Arranha-céus e túneis, Fortunato Depero, 1930.
Meus doces, bom dia.
Há alguns meses, tive a honra e o privilégio de palestrar numa faculdade e um dos estudantes me perguntou onde estava exatamente a relação entre mercado financeiro e artes. Me lembrei de um conselho de um amigo que admiro muito e que tem uma extensa carreira como analista, que me disse que eu tinha um intangível na mão. Esse é um pouco do motivo da newsletter de hoje.
A obra acima retrata um pouco dos efeitos de revoluções tecnológicas e é uma boa representação de uma vanguarda pré-modernista denominada futurismo. Nessa expressão artística, os artistas - sobretudo italianos - exaltavam máquinas, velocidade, construções e mesmo a violência, num momento pré e durante Primeira Guerra. Aqui, transportes, armas e telecomunicação e tantas outras indústrias que se beneficiaram do desenvolvimento de novas tecnologias são motivo de contemplação pura. O avião, por exemplo, é tido como uma escultura à parte, um emblema perfeito da mais alta modernidade do século XXI.
“Não há beleza senão na luta. Nenhuma obra de arte sem algum caráter agressivo pode ser considerada uma obra prima. A pintura deve ser concebida como um violento assalto contra forças desconhecidas, para reduzi-las a se curvar diante do homem”
Filipo Marinetti
De forma análoga, após a Segunda Guerra, tivemos uma grande revolução tecnológica abarcando principalmente os setores de informática, robótica e, novamente, telecomunicações. Essa revolução é completamente diferente da revolução das máquinas, pois envolve menos bens de capital e mais ativos intangíveis. Softwares, patentes, licenças, marcas e capital intelectual de maneira geral tomaram força nos últimos anos.
Daí, vem na cabeça aquela discussão: como se precifica um ativo intangível?
Em 2017, uma obra supostamente feita por Leonardo da Vinci, intitulada Salvator Mundi, foi comprada pelo príncipe saudita Mohammad bin Salem por aproximadamente US$450mi. A avaliação dessa obra foi extremamente debatida dentro e fora do mercado de leilões, como era feita esta avaliação, e tantas outras coisas. Diversos críticos chegaram a dizer que a obra foi um objeto especulativo, além de haver desconexão entre o valor cultural e financeiro. E obras de arte são um ativo de valor intangível de difícil mensuração, apreciado por representar uma inovação, história, contexto social ou uma influência cultural.
Você pode, por exemplo, abrir os press releases da Microsoft e quantificar os gastos em prédios e telas, assim como consegue fazer seu impairment seja pelo seu valor no mercado, seja trazendo fluxos de caixa dos aluguéis a valor presente. Mas existe uma arte (desculpem o trocadilho) quando se trata de fazer essa ‘marcação a mercado’ de ativos intangíveis.
Uma Birkin1 vale, realmente, seus R$120 mil reais do mercado secundário?
Esse gráfico da Carbon Market responde que o intangível, a marca Hermès, aparentemente atribui tanto valor a um pedaço de couro que… valendo ou não, pode ser considerado até uma modalidade de investimento2.
Qual o valor justo das marcas do conglomerado LVMH? Quanto vale a marca da Ferrari? E os GPUs da NVidia? A NVidia vale realmente quase 3,8 trilhões de dólares?
E ainda, falando sobre capital de risco: quanto vale uma empresa em rodada de pré seed ou seed, em que as empresas não começaram a gerar caixa e ter tração ainda? E mesmo que você lance mão do pre-money valuation, faz sentido investir nesse tipo de companhia no Brasil?
Em setores de alta tecnologia e serviços, debater e compreender ativos intangíveis é fundamental, uma vez que permitem escalabilidade e ditam nossa dinâmica econômica a nível global. A contabilidade tradicional - e em algum nível, mas obviamente não todo ele, a parte mais quantitativa do valuation - falha muitas vezes em avaliar estes ativos, uma vez que foca majoritariamente em obrigações e em ativo imobilizado, e essa lacuna acaba deixando estes intangíveis off balance.
Segundo o CFA Institute, os valuations baseados apenas em métricas de demonstrações financeiras não são mais suficientes. Discute-se, a nível acadêmico, a necessidade de métodos de valuation que tenham KPIs fora dos princípios de contabilidade, a fim de atribuir valor justo para as novas tecnologias que abarcam nosso dia a dia.
Afinal, apertamos o soneca nos nossos celulares Apple/Samsung, pedimos um Uber para o trabalho, usamos pacote Office e lançamos mão de tantos outros produtos que são muito intensivos em ativos intangíveis.
O reconhecimento de ativos intangíveis nos dá uma nova perspectiva sobre o que realmente sustenta nossos mercados e nossa cultura. Ambos — arte e finanças — revelam que o valor, muitas vezes, está na história (novamente a narrativa) que contamos e na confiança que depositamos nela.
Somos mais de 3.900 investidores, CEOs, fundadores, gestores de fundos de investimentos, analistas de equity e crédito, assessores, profissionais de M&A, family offices e fundos de Private Equity e Venture Capital. Entre custódia e administração, esta base de e-mails movimenta alguns bilhões de reais.
Obrigada, como sempre, por dedicar uma fração do seu ativo mais precioso - seu tempo - e ler essa newsletter.
Clara Sodré
Bolsa clássica da marca de luxo Hermès.
Estamos falando aqui, obviamente, de investimentos alternativos.
P.S. sobre esse assunto, inclusive, recomendo o livro Capitalism Without Capital. Acho que rende mais algumas newsletters.