The Magpie, Claude Monet, 1869.
Oi, meus doces. Tudo bem?
Primeiramente, queria agradecer demais a repercussão do último post. Fiquei muito feliz e emocionada com cada elogio que recebi.
Em segundo lugar, dizer a quem interessar possa que fiz um post pro Market Makers, que você pode conferir nesse link, caso não tenha visto. É sobre um tema que gosto muito - a teoria da reflexividade do George Soros -, que acho que tem muito a ver com o momento atual. Caso vocês queiram aprofundar sobre a teoria recomendo o livro Alchemy of Finance, do próprio Soros. Vocês encontram nesse link.
Recentemente li o livro Competition Demystified do Bruce Greenwald e pensei em concatenar algumas ideias conforme ia estudando o livro. Pensei então em fazer um post destacando alguns pontos que considero interessantes acerca da competição entre companhias.
Competição nas artes visuais
Com a consolidação do movimento impressionista na França, uma série de novos pintores começaram a fazer muito sucesso dentro do meio artístico. Se beneficiando do contexto da Belle Époque, muitos deles conseguiram fazer muito dinheiro. Os efeitos foram como em qualquer mercado: várias pessoas buscaram tentar a carreira como artista, a fim de virarem pintores de sucesso (não por acaso um leigo em história da arte consegue elencar facilmente 5 ou 6 nomes do impressionismo francês, diferente de qualquer outro movimento em qualquer outro lugar). Os novos entrantes passaram a disputar por um pedaço daquele mercado.
Se você já leu o livro Outliers de Malcolm Gladwell, no entanto, sabe que apenas querer para ter sucesso não basta. Sucesso requer uma quantidade absurda de diligência e dedicação, e, ainda, um pouco de talento.
Os pintores já estabelecidos no impressionismo, então, buscaram tentar se diferenciar dentro daquele mercado, que vinha se tornando cada vez mais competitivo.
No impressionismo francês, grande parte das pinturas são en plein air (a céu aberto, pinturas ao ar livre). No entanto, a pincelada staccato (esses movimentos curtos e rápidos com o pincel, que dão a sensação de movimento nas telas) não requer grande rigor técnico. A fim de demonstrar tecnicismo, um tipo de pintura dentro do movimento impressionista que de fato atesta que aquele artista era competente eram as pinturas plein air na neve.
Por dois motivos: o primeiro, o fato de precisar ficar exposto ao ar livre no inverno europeu sem luvas, porque elas atrapalham a pegada do pincel, e tentando ao máximo não tremer, porque comprometeria a qualidade da pintura.
O segundo, pela extrema dificuldade de se conseguir fazer sombras e sensação de movimento com cores na neve. Assim, fazer uma obra nesse cenário demonstrava que o artista era de fato muito superior aos seus pares.
Se você buscar no Google Images algum impressionista francês seguido de “neve”, com certeza encontrará alguma obra dele. Motivo pelo qual escolhi o La Pie do Monet como capa.
Snow, Gustave Coubert, 1868.
Snowy landscape with cows, Camille Pissarro, 1874.
Boom. Foi criada uma estratégia de diferenciação.
Mas aí vem uma grande questão. Eu achava que estratégia de diferenciação (brand equity, luxury marketing ou qualquer outra que você quiser chamar) era uma vantagem competitiva.
Descobri lendo o livro do Greenwald que não.
Competição no mercado
Competitividade é um tema muitíssimo comum nas aulas de economia (especialmente aquelas referentes a estruturas de mercado e teoria da firma), mas por algum motivo não é tão comentado quando ouvimos teses de investimento sobre determinadas empresas.
Geralmente, a tese de investimentos que ouvimos é permeada, sobretudo, de uma enxurrada de números: margem líquida de x, CAGR receita de y, negocia a “tanto” vezes lucro - o que com certeza é revelador, mas isso por si só não vai te fazer compreender o posicionamento daquela empresa dentro do setor em que ela se dispõe a competir.
Para Greenwald, avaliar o ambiente de competição de uma empresa tem a ver com compreender como ela se relaciona com seus pares e com o ambiente em que está inserida. A estrutura do setor determina veementemente a dinâmica competitiva das firmas e também quais são as estratégias possíveis para aquelas empresas.
A importância de se avaliar a competitividade é que, quando um setor não tem barreiras de entrada (ou seja, não existem desincentivos para que uma nova firma entre naquele mercado), eventualmente este segmento será o mais próximo possível de um cenário de concorrência perfeita.
Se firmas buscam ter retornos altos sob seu capital investido e veem um mercado em que há um alto spread ROIC-WACC, irão naturalmente se expor ele para obter ganhos. Com o aumento do número de firmas, a quantidade vendida daquele produto ou serviço fica mais fragmentada por firma; os custos fixos ficam menos diluídos entre a quantidade vendida, aumentando o custo médio, e a maior demanda pelos insumos faz o custo do produto subir. Com o menor share do mercado, empresas buscarão diminuir preços para ser mais competitivas, diminuindo o lucro e chegando a quase zero.
Sem a existência de barreiras de entrada, uma firma deve tocar seu negócio apenas buscando fazê-lo da maneira mais eficiente possível. Eficiência operacional, diferente do que se pode pensar, é um movimento tático, não estratégico, uma vez que significa fazer tudo aquilo que seus concorrentes fazem, porém melhor (o que por si só não requer considerar as interações com outros players para tomada de decisão).
Em linhas gerais, quando uma companhia tem vantagens competitivas, existem poucas firmas com as quais ela verdadeiramente compete. Num extremo (pegando por exemplo o caso da Microsoft ou da IBM na sua golden era), a empresa é um gigante cercado por diversas “formigas”. O trabalho de produção de estratégia de competição por parte dessas empresas menores é muito mais intenso, uma vez que precisa considerar não apenas as medidas dessa empresa maior como também as respostas da empresa maior às ações das pequenas empresas (o que é a verdadeira essência do planejamento estratégico).
São as possíveis vantagens competitivas:
Vantagens de produção (barreira mais fraca)
Retenção de clientes (customer captivity, tradução livre)
Economias de escala
Vantagens de produção, nesse caso, tem a ver com ter custos substancialmente mais competitivos que os de seus pares. Quando uma empresa enfrenta um novo entrante no mercado, consegue abaixar seus preços de maneira a diminuir seus incentivos (se uma empresa não consegue nem tem perspectiva de colocar seu preço acima do CMg eventualmente ela sairá daquele business e irá desincentivar os novos entrantes)
Já a retenção de clientes pode se dar por diversos fatores, como switching costs, custo de busca ou ausência de produtos substitutos. Todos esses fatores tendem a aumentar o LTV uma vez que é custoso para o cliente mudar de empresa. É importante ressaltar que a busca por branding e gerar fidelidade do cliente, por si só, não se materializa numa vantagem competitiva. Se nenhuma força interferir no processo de entrada de novos competidores, a lucratividade chegará num nível em que as firmas eficientes não lucram mais do que uma quantidade “normal” de retorno sobre capital investido. São as barreiras de entrada, e não a diferenciação do produto, que criam oportunidades estratégicas.
Por fim, as economias de escala, destacadas por Greenwald como a maior vantagem competitiva (especialmente se é associada com algum nível de retenção de clientes), ocorrem quando uma empresa tem uma parte significativa do share daquele segmento, Com o custo médio por unidade produzida diminuindo conforme se aumenta a quantidade vendida. A estrutura de custos que gera economia de escala geralmente é proveniente de um nível significativo de custos fixos associado a um nível constante e baixo de custos variáveis incrementais (conforme aumenta a escala do business, os custos fixos se diluem entre as unidades produzidas, gerando as economias de escala e expandindo as margens).
Para identificar se existem e quais são as vantagens competitivas de uma firma, é preciso:
Identificar o ambiente competitivo em que essa firma opera. Em quais mercados ela está? Quem são seus reais competidores?
Testar a existência das vantagens competitivas. Essas firmas mantêm market share estáveis? Elas são sazonalmente mais lucrativas?
Identificar a natureza da possível vantagem competitiva existente. O player retém seus clientes? Tem tecnologia proprietária? Existe uma intervenção governamental ou economia de escala da qual aquela companhia se beneficia?
Dois grandes sinais da existência de barreiras de entrada em determinado setor são (1) a estabilidade do market share das firmas (por meio do histórico da empresa dominante naquele setor) e (2) a lucratividade das firmas naquele setor (ROE/ROIC substancialmente superior ao Ke/Cost of Capital). A diferença entre uma empresa eficiente e uma empresa que se beneficia de barreiras de entrada está justamente na sustentabilidade dessas margens.
As barreiras de entrada dão às empresas vencedoras alguma idiossincrasia que os novos entrantes não conseguem replicar. De forma mais ou menos análoga, as pinturas na neve dos impressionistas franceses que foram pioneiros fizeram com que os nouveaux artistes não conseguissem espaço no movimento.
Esse livro do Greenwald é bem interessante para aprender um pouco mais sobre análise qualitativa. Possivelmente é um dos melhores nesse tema que já li, e é repleto de exemplos de empresas listadas e suas estratégias de competição. Recomendo veementemente a leitura!
E, claro, obrigada por ler!
Uma bela aula de macroeconomia com um estilo de escrita leve e agradável com base num insight interessante sobre um momento da história da arte.