Tela sem título pintada por Jean-Michel Basquiat e seu ídolo Andy Warhol, 1984.
Meus doces, bom dia.
Tenho tido ultimamente algum nível de irritação no que tange aos ‘ídolos’, ‘heróis’ nessa entropia generalizada que a qual chamamos mercado financeiro brasileiro. A motivação deste post veio: 1) de uma conversa num bar; 2) do lançamento de um infoproduto por uma personalidade do Instagram; 3) de algumas estórias que ouvimos aqui e ali, numa dinâmica típica de fofoca de cidade do interior - não à toa a localização do centro financeiro do país foi apelidada ‘condado’, não é verdade?
Veja, o problema não é gostar de determinadas figuras e suas trajetórias. Eu, apesar do ceticismo, tenho grande admiração por algumas pessoas da área. O problema são as consequências do que deixa de ser admiração e passa a ser idolatria.
i do la tri a amor excessivo, admiração exagerada; culto que se faz a ídolos;
í do lo alguém por quem se tem grande admiração ou a quem se ama apaixonadamente; figura, estátua que representa uma divindade que se adora; pessoa à qual se recita louvores excessivos
O homem cordial
Saí num happy hour (uma das instituições faria limer mais superestimadas) com uma amiga, que tem contato frequente com alguns gestores estrangeiros. Um deles, cujo AuM ultrapassa os 100 bilhões de dólares, veio ao Brasil palestrar num evento e a questionou porque as pessoas tratavam tal qual uma celebridade. O gestor em questão se virou para a minha amiga e perguntou:
- Por que estão pedindo para tirar foto comigo? Ninguém tira foto comigo nos EUA.
O curioso é que de fato vemos gente tirando fotos, especialmente com gestores, tão somente por tirar e postar nas redes sociais - como fazem com os famosos, no melhor estilo zoológico, mesmo. E isso, de fato, não parece acontecer com a mesma frequência em outros lugares. Isso pode se dever ao fato de o mercado brasileiro ser incipiente e também mais concentrado, mas não me parece ser o único motivo.
O ofício da gestão de recursos
Falando sobre mercados incipientes, sabemos que a indústria de fundos no Brasil é ainda muito nova. Aqueles que começaram no final dos anos 90 e início dos anos 2000 experimentaram em alguma medida uma vantagem, uma construção de imagem e reputação da qual se beneficiam. Alguns estagnaram em performance no tempo, seja por capacity, sizing, ou mesmo erros.
Esse é meu maior incômodo quando vejo pessoas colocando gestores a nível de semideuses: o erro é a maior certeza da trajetória de um gestor. Se ele contorna o erro rapidamente, se não, é outro tópico. Gestão de recursos é um ofício que deve ser aprimorado e aperfeiçoado ao longo do tempo. Mas que um gestor vai errar ao longo da sua carreira, isso é incontestável. E ídolos não erram.
Os ídolos da Faria Lima
Foi pauta recente no Twitter uma certa personalidade anônima do Instagram, famosa no ‘condado’. O motivo foi a venda de um infoproduto, um curso sobre um método para investir, no valor de aproximadamente R$4.000,00. Não existe absolutamente nada de ilegítimo no lançamento de um infoproduto. O problema é que a construção do personagem em si foi feita de maneira que muitos dos fãs (patético, mas realmente não existe outra palavra melhor) acreditavam que a página era de algum herdeiro de banqueiros de grandes famílias tradicionais brasileiras. Com o curso, muitas pessoas foram desiludidas de que o tal ídolo era só… uma pessoa.
P.S. Há quem acredite, ainda hoje, que um herdeiro realmente faria um curso online de investimentos por quatro mil reais. risos.
Uma outra personalidade, um exímio analista que abriu uma gestora de recursos (consequentemente, virando gestor), há alguns anos tinha um verdadeiro tratamento de ídolo por onde passava. Chegou a ser foto de capa de uma icônica matéria sobre o lifestyle no condado. Há quem diga que esse tratamento se converteu em algum nível de arrogância, mas esse não é o ponto. O ponto é que num determinado momento, este ídolo deixou de entregar os resultados absurdos do seu fundo principal - na verdade, teve um drawdown impressionante decorrente de uma série de erros, em juros, em dólar e em equities. E reitero, caro leitor, o erro é uma certeza nessa carreira. O que fez, acredito eu, essa figura - que é um profissional muito competente, imho - ter caído em algum ostracismo, foi o fato de ele ter sido colocado no Olimpo por tantos anos.
Essa questão faz com que eu me pergunte por que precisamos - ou acredita-se que precisamos - de heróis numa indústria de prestadores de serviços - indústria esta que onde uma ponta ganha, outra inevitavelmente perde.
Da minha experiência pessoal, o tweet que coloquei acima ilustra bem o axioma never meet your heroes. E eu obviamente tive experiências frustrantes. Mas para ser honesta, houveram algumas pessoas que conheci, pessoas absolutamente comuns, que não saíram em entrevistas de podcasts ou matérias da Veja, mas me surpreenderam positivamente e que eu passei a admirar após conhecê-las. Dou a vocês um exemplo prático:
Se você leu o post sobre o cafezinho, viu que contei sobre um dia que tomei um café com uma pessoa que trabalhou vários anos numa casa que eu admirei por muito tempo - e igual admiração estendida ao homem a quem foi atribuído o sucesso da gestora. Era uma pessoa que sempre estava no dia a dia da gestora, uma engrenagem no time, mas alguém que não ouvimos muito falar, pelo one man show que atribuímos a algumas gestoras de recursos. Passei a gostar mais da casa, mas entendi que o show não era feito pelo one man em questão - meu exercício de entender a cultura de empresa e a seleção de pessoas nas entrevistas do Compounders vem um pouco disso. A ideia de ser uma conversa descontraída também vem para desmistificar o ‘cara com o microfone’ que detém toda a sabedoria do mundo. Isso não existe em nenhum setor, no mercado financeiro não é diferente.
A nossa indústria já tem ego suficiente, arrogância suficiente, para se deixar levar por narrativas de heróis. Um gestor de recursos é um prestador de serviços. Um influencer do Instagram é um influencer do Instagram. Não existem heróis na vida real e o mundo não é maniqueísta. Toda história de toda trajetória tem um lado sombrio, uma parte não tão bonita, um percalço, um desafio. Pessoas são pessoas. A idolatria, intitular determinadas pessoas ‘gênios’, não só é problemático por ser irreal, mas em alguma medida cega: imagine uma pessoa que acredita estar certa, e o mercado errado, com uma quantidade de teimosia suficiente para se manter numa posição até sua ruína. Parece distante, mas não é. Basta ouvir as histórias por aí.
Nesse sentido (e sem querer invadir o círculo de competência de um amigo e gestor cuja entrevista vocês já viram por aqui), já pensaram como inflar o ego de determinadas pessoas faz com que elas estejam mais suscetíveis a cair em determinados vieses? De confirmação, de autoridade ou tantos outros - como eu disse, o tema não é de minha especialidade. E esses vieses fazem com que as pessoas enxerguem as coisas não como elas são, mas como elas gostariam que fossem. Ficam embriagadas nas próprias narrativas, um erro que pode ser fatal.
Não existe uma única história de uma pessoa que se assemelhe com a de um gênio, ou a de um ídolo, ou a de um Deus. Ou você percebeu que esse tipo de coisa não existe, ou não teve inteligência emocional para pesquisar devidamente - porque saberia, se o fizesse, que seu ídolo é só uma pessoa.
Não existem heróis. Nem no mercado, nem em lugar nenhum. Quando muito nos filmes - e se você analisar bem, até nos filmes vemos algumas trajetórias passíveis de contestação, sobretudo do ponto de vista ético.
Se um fundo/gestora não é formada por uma única pessoa; se a gestão de recursos tem como premissa intrínseca o erro; se a idolatria tende a estimular determinados vieses psicológicos; eu volto à minha primeira pergunta:
Por que você precisa de ídolos?
Obrigada, mais uma vez, por abdicar de uma pequena fração do seu recurso mais precioso e escasso (seu tempo) e ler esse projeto!
Nos vemos na próxima semana!
Adorei o texto! Obrigado
Muito bom, como sempre!