Meus doces, bom dia.
Vocês possivelmente já sabem bastante sobre a obra acima, a qual não farei uma análise desta vez. Sabiam, no entanto, que pouco antes da ocupação nazista, essa e cerca de quatro mil obras do Louvre foram escondidas nos sótãos do castelo de Chambord, para que não virassem propriedade alemã?
E sabiam que, por um erro, um bombardeio americano caiu no jardim do castelo?
Já pararam para pensar como seria a arte como entendemos hoje se a bomba, aleatoriamente, caísse exatamente no castelo, destruindo quase todo o acervo do Louvre?
E como isso seria retratado na história? Incompetência das forças armadas da França? Erro execrável dos EUA? Onde a Alemanha entra nisso?
Vocês acreditam na força ou influência que a aleatoriedade tem nas nossas vidas?
Calma, esse não é um post sobre energia, ou karma, ou qualquer coisa nesse sentido.
A inspiração foi o livro Iludidos pelo Acaso, do Taleb, que resolvi “ler direito” depois de ser citado pelo Felipe Miranda no Instagram. O Iludidos pelo Acaso é o cerne da filosofia do Taleb, que é destrinchada nos seus demais livros (Antifrágil, Lógica do Cisne Negro e tantos outros).
A aleatoriedade, o tal acaso, ou até, se você quiser, sorte/azar (dois lados de uma mesma moeda), traz consigo uma dinâmica interessante. Tendemos a subestimar ou até sobrevalorizar o papel da sorte em nossas vidas - o que nada mais é, caro leitor, que os tais vieses que enfrentamos quando lidamos com a aleatoriedade.
O viés do sobrevivente, por exemplo, faz com que tendamos a lembrar mais facilmente do caso vencedor (esquecendo outras dezenas de casos fracassados naquela mesma jornada). É por isso, e pelo fato de que perdedores caem no esquecimento, que pessoas têm aversão a desistir. O viés da disponibilidade, um viés bastante pessoal, faz com que as pessoas tendem a tomar decisões tomando como base as informações mais disponíveis para si. É outro viés que sofre interferência do acaso.
“Pouca gente defende o ponto de vista de que a arte é uma ferramenta de investigação da verdade — e não uma tentativa de escapar dela ou de torná-la mais palatável.”
Nassim Nicholas Taleb
Os ditos "corajosos" podem ser na realidade pessoas que subestimam o acaso, e, não obstante, estão iludidos de que o acaso não levará a resultados trágicos, portanto são mais otimistas. Da mesma forma, os medrosos e ansiosos são os que superestimam o acaso, pensando em todos os cenários desastrosos. E existem ainda os que, quando agraciados pela sorte, tomam elas por competência.
Você conhece alguma área em que as pessoas frequentemente tomam sorte por competência? Uma certa área dopamina-orientada, com doses cavalares de capital, concentrada numa região de uma certa avenida de três palavras aqui em São Paulo? rs
Taleb chama de “idiotas sortudos” aqueles que acreditam que sorte é, na realidade, competência. Ora, porque são pessoas que, por definição, não acreditam que tiveram sorte e sim que ganharam dinheiro no mercado por sua inteligência. E fato é que todas as pessoas que tiveram sucesso tiveram um componente de sorte envolvido - como mostra algum enxerto de Outliers do Malcolm Gladwell, sobre pessoas que fizeram coisas grandiosas porque agiram na hora certa.
É uma relação com o acaso que vai para ambos os lados: de um lado, você pode estar muito concentrado num papel que gera um retorno significativo para a sua cota, e não se sabe ao certo se aquilo foi sorte ou competência (se sabe sim, na realidade, mas esse não é o foco desta newsletter). Do outro, você pode estar ultra comprado num papel que tem uma situação abrupta (um cisne negro, mesmo) e isso prejudica sua cota. E isso é atribuído a qualquer coisa, menos à aleatoriedade. Fato é que em ambos, há uma subestimação do efeito do acaso nos acontecimentos.
O acaso é capaz de coisas grandiosas para o bem e para o mal.
Essa obra (que é a capa de um dos meus posts favoritos), talvez a maior do surrealismo, não existiria se ocasionalmente não houvesse um queijo camembert derretido ao lado de Dalí - ou pelo menos os relógios não estariam derretendo, o que daria um outro teor à obra.
O acaso também veio a criar o raio-x, a penicilina e a insulina.
O acaso pode ter feito com que Napoleão fosse derrotado - pois é - no inverno rigoroso da Rússia. Em livro de divulgação científica de química (“Os botões de Napoleão - as 17 moléculas que mudaram a história”, a quem interessar possa), os botões dos uniformes militares seriam feitos de estanho. O estanho, em condições normais, tem comportamento prevalentemente metálico. No entanto, a baixíssimas temperaturas, toma uma forma covalente e se pulveriza (uma espécie de ligação intermediária). A história pode não ser verídica pois não há comprovação, mas seria muito interessante, né?
Sabem aquela cena do Lobo de Wall Street em que Jordan Belfort encontra Mark Hanna num bar tomando dry martinis e fazendo um rito, como uma canção - você provavelmente lembra como a cena em que ele ensina o que é fugazzi - ? Foi feita ao acaso. Só um take e improviso. Sem script.
Aliás, já perceberam que todas as pessoas que você encontrou foram por acaso? Me lembra o prefácio do livro Tudo é Rio da Carla Madeira, em que ela fala sobre pessoas que cruzam o outro lado da rua e nunca vão se conhecer, e talvez poderia ter sido uma bela amizade ou uma linda história de amor. Todas as pessoas que você conhece e desconhece são obra do… acaso.
O acaso une e afasta pessoas, conflui e drena recursos, impulsiona e restringe, expande e deteriora, leva alguns ao sucesso e outros ao fracasso. Às vezes leva a mesma pessoa ao sucesso e em seguida ao fracasso, também.
Quem garante que o jeito que determinadas coisas são não é por um elemento de sorte?
Quem garante que o jeito que as coisas poderiam ser não é pela falta de sorte?
As coisas estão bem, bem menos sob nosso controle do que pensamos. O próprio Taleb diz isso. Claro que existe competência. Mas não podemos deixar de contar com um elemento de sorte.
Exige um exercício de humildade nada trivial para que percebamos nossa pequenez diante da probabilidade de algo aleatório, que foge a nossa competência, acontecer em nossas vidas. No mercado, onde há algo de maior competitividade e ego, talvez seja ainda menos simplista de se fazer. Muitas vezes uma personalidade arrogante é produto de boa-sorte.
Mas, claro, também tem o lado positivo da boa-sorte.
Aliás, que acaso maravilhoso ter todos vocês aqui nesse projeto comigo.
Obrigada por ler!
Clara Sodré
Belíssimo texto!
Eu amo seus textos!