O Homem Vitruviano, Leonardo da Vinci, ~1490.
O humanismo foi um movimento intelectual e filosófico proveniente da região onde hoje é a Itália, cuja força acabou respingando para a política, literatura, e artes visuais. A corrente, que colocava o homem como a razão e centro do mundo, trouxe uma série de ramificações, como o apreço pelo cientificismo (visto que a ciência é uma produção humana), o racionalismo e, especialmente nas artes, o apreço pelo ideal de beleza e perfeição. Resgatando preceitos classicistas, a arte que bebia da corrente humanista tinha como principal objetivo representar a perfeição do corpo humano.
O Homem Vitruviano de Da Vinci é um desenho que destaca bem alguns pontos do humanismo, mostrando quanto da filosofia foi capaz de se materializar em uma vertente artística.
O desenho retrata um homem dentro das formas sobrepostas de um quadrado e um círculo, com seus braços e pernas em duas posições diferentes. É fortemente inspirado na obra De Architectura de Vitruvius Pollio, em que, no terceiro capítulo, há uma citação sobre as proporções do homem, fazendo um paralelo com a arquitetura (conhecida como a primeira arte liberal):
“... só assim as partes do templo corresponderão umas com as outras e com o todo. O umbigo é naturalmente colocado no centro do corpo humano, e, se estendermos um homem no chão com seu rosto para cima com braços e pernas abertas, e a partir do umbigo no centro fizermos um círculo, ele tocará suas mãos e pés. E não apenas pelo círculo o homem é circunscrito: também pode-se ver o mesmo com um quadrado. Para medir dos pés à cabeça, e depois com os braços totalmente estendidos, e depois pelos braços estendidos, encontraremos a última medida igual à primeira; de modo que as linhas dos ângulos retos entre si, envolvendo a figura, formarão um quadrado”
Vitruvius, portanto, descreveu o homem como um ideal de proporcionalidade. O desenho do Homem Vitruviano denota a ideia de simetria do corpo humano, e, sendo o homem o centro do universo, tudo deve ser feito a partir dele e à sua semelhança, portanto o universo também é perfeito e simétrico - visto que é um produto do homem.
Um homem, invariavelmente, não consegue se distanciar da sua produção. Esse é, inclusive, um grande desafio da metodologia científica: a necessidade do seu afastamento do objeto. O próprio Homem Vitruviano é um produto dos muitos interesses de Leonardo da Vinci. Une filosofia, matemática, arte, anatomia. Além destes interesses, Leonardo também foi físico, químico, cartógrafo, arquiteto, astrônomo e um exímio engenheiro - chegou a criar armas e alguns instrumentos musicais. Possivelmente nunca existirá ninguém na história da humanidade igual a Leonardo da Vinci.
Sendo que tudo que é feito pelo homem é um produto dele mesmo, é difícil que ele não deixe um pouco de si nas suas próprias criações. Um pouco de sua identidade é sempre repassada para tudo que ele cria na Terra.
A criatura como um reflexo do seu criador
Tenho extremo apreço e interesse pelo estudo da indústria de fundos de investimentos, mas tenho um apreço ainda maior por compreender quem são as pessoas por trás daquele produto. Ainda que um gestor seja a “cara” de uma asset, por trás de uma cota existe um sistema rígido de compliance e risco, um backoffice eficiente, uma equipe de analistas, traders, matemáticos e/ou economistas extremamente capacitados.
Em outras palavras, um gestor que decide criar seu próprio negócio deixa de ser apenas um gestor de portfólio e passa a ser também um gestor de pessoas. Uma asset é uma empresa como qualquer outra: está num ambiente competitivo e busca maximizar seu lucro, obter o maior retorno possível e competir frente aos seus pares. Por isso, um gestor que empreende tem a necessidade de criar uma estrutura de empresa, ter um senso para identificar gente boa, evitar que essas pessoas vão para outros concorrentes, cuidar dos trâmites administrativos, vender “seu peixe” e (ufa!) gerar resultado.
Mas, logicamente, se o homem não se afasta da sua própria criação, algo da personalidade daquele gestor é transferido para a sua empresa. Ele tende a contratar pessoas semelhantes a ele mesmo, cria uma cultura de empresa que acha mais eficiente, elabora uma estratégia de investimentos que invariavelmente é decorrente das suas próprias vivências.
Em síntese, para mim, tão interessante quanto conhecer a indústria é entender como a “pessoa” gestor molda seu negócio à sua semelhança. Mesmo porque conhecendo o gestor e sua equipe, você confia no trabalho que aquelas pessoas oferecem.
Por isso quis começar um quadro de entrevistas com gestores aqui nessa newsletter. Não no sentido blasé, perguntando maiores posições nos fundos, o que eles acham do Brasil daqui a 2 anos e opiniões políticas. Queria saber seus hobbies e interesses. Quais situações passaram no mercado que trouxeram lições. Quais seus livros favoritos. O que eles buscam nas pessoas que eles contratam e como evitam que vão embora.
Naturalmente, quando fiz um levantamento dos gestores que gostaria de entrevistar - dado que o homem não consegue se afastar do seu objeto de pesquisa -, me peguei prospectando entrevistas com gestores cuja estratégia se assemelha com minha afinidade pessoal: fundos de ações com objetivo de longo prazo, o produto mais próximo do paradigma de investimentos do value investing.
Percebi que a abordagem estava completamente incorreta e distribuí entre gestores com diversas estratégias diferentes. Escolhi Da Vinci para esse post introdutório pelos seus interesses diversos, que têm muito a ver com o perfil de algumas pessoas que vocês vão ver por aqui…
A arte
Leonardo da Vinci é conhecido sobretudo pela sua arte. Mais como pintor e menos como escultor, da Vinci é um grande nome do Renascentismo italiano e realizou obras tanto de cunho religioso quanto mais humanista, sempre mesclando com seus conhecimentos de outras áreas do conhecimento.
Nas palavras de Damodaran, o valuation não é uma ciência. Valuation, nas palavras dele, também não é uma arte. Valuation é um ofício que é ensinado e que se aprende através do exercício.
Longe de mim questionar o Damodaran, mas arte tem um elemento de talento e também um elemento muitíssimo técnico. Além disso, os números conseguem facilmente se adaptar às narrativas (não à toa, as premissas são a base do valuation). Há, portanto, um quê de arte no processo de avaliação de empresas. Para representar a vertente da arte no Homem Vitruviano, entrevistei alguns gestores de fundos de ações.
A anatomia
A anatomia é um estudo extremamente complexo. O corpo humano tem seus órgãos com funções específicas, cada um atendendo a um propósito, mas todos são extremamente interligados. O mau funcionamento de um, muitas vezes, causa o mau funcionamento do outro.
A economia também é um grande corpo humano. Dólar, juros, preços de commodities e índices de bolsas são ‘órgãos’ completamente separados e que atendem a propósitos distintos. Apesar disso, são bastante interligados. A alteração abrupta em um destes pode, muitas vezes, afetar os outros - e pior, uma coisa completamente externa (um vírus?) pode afetar todas as coisas ao mesmo tempo.
Os fundos multimercado fazem, portanto, um trabalho que também depende de muitíssimo estudo. Compreender da melhor maneira possível esse grande corpo humano (que, em matéria de emergentes como o Brasil, é o corpo de uma pessoa imunodeprimida, if you ask me) que é a economia é o que trará grandes retornos. Por isso, representando a parte anatômica do desenho de Da Vinci, foi imprescindível trazer gestores que fossem referência nesse produto também.
A matemática
Vitrivius estava errado acerca da mensuração matemática do quadrado circunscrito no homem. Leonardo da Vinci, um panculturalista que tinha muitas outras habilidades que não tão somente um artista, corrigiu nas notas:
“Se você abre as pernas a fim de reduzir sua estatura em 1/14 e abre e levanta seus braços de forma que seus dedos do meio tocam a linha no topo da sua cabeça, saiba que o centro das extremidades dos seus membros abertos será seu umbigo e o espaço entre as pernas formarão um triângulo equilátero com sua cabeça.”
Também honrando o lado de Leonardo da Vinci de um exímio matemático, convidei alguns gestores de fundos com estratégias quantitativas e sistemáticas para falar um pouco de sua carreira, de suas competências, de seus erros e acertos e da cultura de empresa de suas gestoras de recursos.
O primeiro post deve sair ao longo da próxima semana. A questão da periodicidade e do intervalo com outros posts ainda vai ser decidida, conforme eu vejo as métricas do Substack. Também importante ressaltar que esse não virou um blog (?) de entrevistas: seguimos com a programação normal de posts. rs
Como sempre, extremamente honrada, agradeço pelo seu tempo e por fazer parte desse projeto comigo.
Obrigada por ler!
Você nos toma pelas mãos e nos leva fundo,.bem fundo no mar do conhecimento.. Feliz por ter te conhecido e te seguir. Parabéns.
Que leitura agradável e enriquecedora! Obrigado