Meus doces, bom dia.
Você já deve saber que as pessoas tendem a dizer ‘sim’ para aqueles que mais gostam ou se identificam. O que você não deve saber é que isso é usado por muitas pessoas para que você faça o que elas querem. Todos os dias.
Atração física. Contato. Similaridade (de ideias, de valores, de lifestyle, de personalidade). Elogios. Cooperação. São algumas das coisas que fazem com que você seja influenciado - ou persuadido, como prefiro chamar.
Eu achei genuinamente que estávamos em paz e tínhamos progredido em termos de narrativas fracas e desonestas depois do bear market em 21 (mas claro, estou na ~fintwit~ desde o final de 2019, então quem sou eu para saber se isso estaria acontecendo ou não).
Até que ontem vi algumas das mesmas pessoas que reclamavam da defasagem dos combustíveis (pelos impactos para a Petrobras, e o presidente pedindo ao JPP para ‘segurar os preços até onde der’, e o intervencionismo, e todo argumento que até então era pertinente) reclamarem, see well: do reajuste.
Assim como vi um tweet da primeira dama insinuando que a culpa do apagão que ocorreu hoje (15/08, quando escrevo esse post) se deveu à privatização da Eletrobras. SEE WELL!
Eu deveria, a essa altura, me irritar com narrativas e com pseudo argumentações políticas? Não. Mas passado o momento, pensei em falar aqui algumas coisas que talvez pudessem ser úteis.

Enough talking, let’s get to the point.
Quem tem medo da influência?
Vocês provavelmente lembram dessa imagem do meu post sobre líderes. É um quadro de Peter Brugel que retrata um homem cego liderando outros homens cegos. Por si só é perigoso, certo? Imagine, agora, que apenas o líder enxerga e os demais são cegos. Este é o perigo da influência.
Careful with the punchlines
Ibov vira que horas?
Selic caiu. E agora?
Vara é 30. Conga é 15.
Apelidos para papéis. “Quem não toma risco, conta a história dos outros”. “VOA, XXXX3”. Foguetinhos. Prints de rentabilidade da carteira. Prints de rentabilidade da carteira com foguetinhos. Frases de efeito no YouTube a cada Copom. “Mostra o DARF!”
O ponto de sugerir modificações de carteira a cada 45 dias é te fazer pagar mais corretagem. O ponto de te dar um ‘trade fácil’ sem que você pague (uma carteira recomendada por exemplo) é fazer você entrar nele depois que alguém já está posicionado. E eu não subestimo a inteligência dos meus leitores de não fazerem essas simples deduções toda vez que veem uma punchline na timeline.
A economia doméstica e a pobreza de espírito
Um tempo atrás viralizou um vídeo no YouTube em que uma moça ensinava a economizar diluindo detergente (item que custa R$2,00) em água. Há não muito tempo vi também um post (de um desses influenciadores de finanças domésticas) sobre reutilização de filtro de café. Por fim, um tweet de divisão de um orçamento sem nenhum compromisso com a realidade. E eu honestamente tenho alguma dificuldade para identificar ironia na internet, mas vale ressaltar:
Nenhuma dessas coisas vai te fazer mais rico.
Nenhuma dessas coisas vai te fazer mais rico.
Deixar de ter filhos só porque ‘filho é um passivo’ não vai te deixar mais rico. Diluir detergente não vai te deixar mais rico. Algumas dessas coisas podem até te deixar com mais dinheiro na conta bancária, mas certamente não te trarão uma série de experiências que valem muito mais do que dinheiro - mas essa, claro, é tão somente minha opinião. O juízo de fato é que esse tipo de conteúdo deve ser consumido - se o for - com alguma desconfiança.
O ativismo político barato e a geopolítica de War
Uma vez ouvi brilhantemente de um gestor que admiro muito que “gestor é aquele cara que sabe de quase tudo um pouco, mas sabe tudo mal”
Não é - definitivamente - algo exclusivo de gestores, isso se estende a pessoas do mercado como um todo. Mercado absorve uma série de informações vindas de diversas entidades e de diversas matérias diferentes. Questões monetárias, fiscais, geopolíticas e mesmo políticas fazem preço. Isso faz com que as pessoas queiram estar bem informadas o tempo inteiro - evidentemente. Mas desconfie das pessoas que têm muita certeza sobre o que acontece nos arranjos políticos do Brasil, na China, na guerra da Ucrânia, na política externa estadunidense, na dinâmica de preços da coroa dinamarquesa, na taxa de juros da Zâmbia e no CPI (ou como quer que chame) da Austrália. Desconfie mais ainda em quem se dispõe a dar sua excelentíssima opinião sobre todas estas coisas no Twitter.
Sobre o ativismo político barato, voltamos nos casos da Petrobras e da Eletrobras, que foram a epítome da falta de honestidade intelectual dos últimos dias. Hoje em dia existe muita narrativa e polarização e pouca parcimônia e análise em busca da verdade.
Sobre geopolítica, ela é um campo de estudo proveniente de uma série de conhecimentos. Primeiro, é preciso saber história, e por consequência os processos culturais e a ‘comunidade imaginada’ que foi desenhada para aquele país - quem é seu povo e quais são seus valores. Segundo, é preciso saber política, arranjos de poder, partidos políticos, movimentos de contestação política, o tipo de governo e ideologia do governo vigente. Terceiro, questões econômicas, geográficas e de segurança internacional (conhecidas como hard power). Quarto, interesses do Estado, diplomacia e política externa. Entendem a complexidade de se impor certezas em meio a tantas variáveis? E como uma opinião em 280 caracteres pode ser por vezes simplista?
E agora?
Qualidade é infinitas vezes superior à quantidade. Existem bons perfis e alguns bons influenciadores com quem você pode de fato aprender sobre leitura de mercado, avaliação de empresas e uma série de assuntos interessantes. Pessoas que não se dispõem a dar opinião sobre tudo ou gerar polêmica o tempo inteiro - gente comum, apesar do número de seguidores maior que a média. E que estão dispostas a ajudar e ensinar, ou mesmo debater sobre mercado.
Hoje, mais do que nunca, é tanta desinformação que é preciso fazer um filtro sobre a qualidade do conteúdo que está sendo consumido. Meu apelo é tão somente esse, porque já vi muitas, e muitas histórias de pessoas que receberam um call, inclusive do Twitter (!!!!) e perderam uma quantidade avassaladora de dinheiro. Não existe almoço grátis. Não é trabalho de um influenciador te dar calls - nem trabalho de ninguém, a menos que a pessoa seja devidamente certificada e você pague por este serviço. E o fato de uma pessoa se dispor a dar opinião e certezas sobre tudo, para mim, é um ótimo proxy de que a pessoa não sabe verdadeiramente de nada. Esses, os mais polêmicos, infelizmente são os que têm uma horda de seguidores prejudicados. É o quadro do Peter Brugel em movimento na vida real.
Obrigada por ler!
Clara Sodré
Clara Pistola
Parabéns pela clareza e pela alusão brilhante ao quadro de Peter Brugel! 👏