Guernica, Pablo Picasso, 1937.
Meus doces, bom dia.
Reza a lenda (e é uma lenda mesmo, mas atende ao propósito do post) que uma vez, já idoso, Pablo Picasso estava em uma cafeteria em Paris, rabiscando um guardanapo. Ao finalizar seu café, amassou o papel e foi em direção ao lixo.
A garçonete que ali trabalhava o reconheceu, viu uma oportunidade e o abordou:
- Posso ficar com seu guardanapo? Estou disposta a pagar por ele, se você quiser
- Claro - respondeu com um sorriso generoso - , você pode levá-lo por apenas US$10.000.
A garçonete ficou escandalizada com a proposta e disse:
- Mas o senhor não levou nem 5 minutos para desenhar!
- Não mesmo. Levei mais 60 anos!
A anedota traz uma lição que é bastante importante: ser excelente em algo leva tempo. Antes de ser excelentes seremos bons, e antes de bons seremos medianos, e antes de medianos seremos péssimos.
Lembra um pouco a lição do Malcolm Gladwell das 10.000 horas no livro Outliers - uma epifania que tive lendo um quote que o Thiago Salomão, fundador do Market Makers, publicou no LinkedIn:
Quando tenho a oportunidade de falar com um gestor de recursos - seja pelo trabalho, seja pelas entrevistas no Compounders - sempre pergunto se eles praticam algum esporte.
Não que eu ache que haja alguma correlação com a prática ou não de exercícios físicos e rentabilidade do fundo - nunca testei, mas certamente, se houver, é uma relação espúria. Mas acho que existem alguns paralelos que podem ser feitos, especialmente em esportes individuais, com o ofício do gestor. Acho especialmente que existem algumas lições parecidas em ambas as coisas.
Loucura? Vou tentar explicar melhor…
Toda pessoa que leva seu hobby ou paixão muito a sério, ou mesmo o profissionaliza, acaba virando um obcecado. Já falamos aqui uma vez sobre a importância disso, mas se você não viu, vou sintetizar a principal mensagem:
Se não existem barreiras de entrada no nosso ofício… Como você se diferencia?
Em que consiste, portanto, a excelência? O que faz com que algumas pessoas sejam melhores que as outras em determinadas habilidades?
Daniel Chabliss, um sociólogo, passou três anos acompanhando a rotina de atletas olímpicos de natação buscando entender qual é a natureza da excelência (excelência, aqui, é a superioridade consistente em performance). A excelência é uma maneira de comprovar que um atleta é melhor que o outro - e não tão somente um produto da sorte e do talento. Acredito que vários pontos neste estudo têm paralelo com o alpha game e com o mundo dos negócios em geral.
Algumas conclusões interessantes:
A excelência NÃO É uma exclusividade de pessoas cujas personalidades são introvertidas ou socialmente atípicas. Excelência, na verdade, não é produto de nenhum traço de personalidade específico.
Excelência não resulta de mudanças quantitativas no comportamento - aumentar o tempo de treino de duas para quatro horas por dia não faz necessariamente um atleta nadar mais rápido. Nadar 3km e passar a nadar 6km, também não. Fazer mais quantidade do mesmo não faz você ser extraordinário.
Excelência não é produto de alguma característica inata de alguém. O tal “talento”, ou “dom”, ou “habilidade natural”, nada mais são do que termos que buscam mistificar processos essencialmente mundanos, que, executados repetidamente, fazem pessoas alcançarem feitos extraordinários.
Ok. Sabemos, agora, o que excelência não é.
E o que ela é, segundo o estudo?
Excelência é um produto de fatores qualitativos. Mudar por exemplo o tipo de braçada - de crawl para borboleta, por exemplo - é uma mudança qualitativa. Mudar de uma dieta keto para uma que seja rica em carboidratos, é outra mudança qualitativa. Associar a natação à musculação é uma mudança qualitativa. Isso tem a ver, no nosso paralelo, com a constante revisão dos processos e com atividades paralelas que geram um efeito feedback loop positivo.
Excelência é lidar constantemente com seu próprio fracasso e recomeçar, e aprimorar, e tentar mais uma vez. É ver, em toda pequena escolha, uma consequência e uma coisa da qual você abdica - Michael Phelps uma vez disse que, se você tira um único dia de descanso, leva dois dias para voltar. É ter um objetivo muito claro (Pode ser uma questão de ego, pode ser o sucesso, pode ser sua relação fiduciária com seu cotista. Não importa, se for um motivo forte o suficiente). Esse é o efeito compounding dentro de uma rotina de atleta - que não tem a ver com fazer mais do mesmo, mas sim com fazer melhor e otimizar tempo e recursos.
Se colocamos uma rotina de um atleta em timelapse, vemos que na realidade ela é um tanto chata: todo dia eles fazem tudo sempre igual.
Excelência é mundana.
Essa é a rotinização da excelência. Como Gladwell bem disse em Outliers, a excelência nada mais é do que a execução de algo, repetidamente, durante muitos e muitos anos. Ela é conquistada com o fazer de ações nada complexas, constantemente revisitadas e aprimoradas, solidificadas enquanto um hábito, repetidas durante um longo horizonte de tempo - um efeito compounding de uma habilidade.
Isso vale não apenas para a gestão de recursos, ou trading, ou para a alta performance no esporte. Serve também para o investidor que faz seus pequenos aportes mensais na bolsa. Para relacionamentos interpessoais. Para felicidade. Não é um único aporte, uma única ida à academia, um único livro lido, uma única semana que você sai para correr, que farão diferença imediata. O efeito compounding de fazer estas ações, repetidamente, num horizonte longo, que farão uma mudança significativa na sua vida.
Imagem do Visualise Value. “The first rule to compounding is to never interrupt it unnecessarily” - Charlie Munger.
Tudo que você faz re-pe-ti-da-men-te torna-se um hábito cristalizado pela excelência e muda inerentemente a pessoa que você é, com quem você convive, o que você faz e como o faz.
Um hábito é construído pela disciplina e a disciplina tem a ver com fazer o que você precisa fazer - mesmo que revisite os processos, mesmo que no caminho você tropece. Os melhores nadadores eram aqueles que não cediam às suas vontades e desejos e que tinham as rotinas mais sistemáticas - mas que sempre continuavam.
Mesmo porque, no final das contas, o potencial não ganha uma medalha olímpica.
Obrigada, como sempre, por ler esta newsletter.
Clara Sodré
Clara, interessante sua visão sobre a importância da prática e da rotina para alcançar a excelência. Contudo, é importante considerar que, em ambientes corporativos voláteis, existe um constante trade-off entre manter o foco na prática contínua e adaptar-se a mudanças abruptas no cenário externo. Esta dinâmica muitas vezes exige mudanças estratégicas nas empresas que podem ser vistas como falta de foco, mas são na verdade adaptações necessárias. Alcançar a excelência é desafiador não só pela necessidade de repetição, mas também pelo desafio de saber quando e como mudar o foco diante de novas circunstâncias.
"Tudo que você faz re-pe-ti-da-men-te [...]" - não tem muito segredo, né?
Mais um texto incrível.