Quadrinhos da Louis Vuitton com um quê de Andy Warhol (how ironic)
Meus doces, bom dia. Tudo bem?
Recentemente tive a oportunidade de tomar um café com uma pessoa por quem tenho profunda admiração e em meio a conversa falamos um pouco sobre o livro Competition Demystified do Greenwald, que já falei nesse post. Essa pessoa me disse que, assim como Greenwald, não considerava brand equity uma barreira de entrada significativa e sustentável em longo prazo.
Racional: brand equity é uma maneira de fidelização do cliente (Greenwald chama no livro de customer captivity), trabalhada a partir de uma despesa substancial em marketing e branding que pode ser facilmente derrubada. Diferenciação não gera barreira de entrada. Um novo entrante consegue fazer o mesmo trabalho, pegar share naquele mercado e fazer num médio prazo aquela diferenciação cair por terra.
Ainda não tenho opinião formada sobre o assunto. Mas pensei em falar aqui sobre algumas coisas que tenho aprendido sobre brand equity com a menor quantidade de financês e jargões que eu conseguir.
Brand Equity é quando uma empresa faz um trabalho de marca frente ao mercado de maneira a ganhar um prêmio de valor pelo produto que a carrega. Além de aumentar market share, aumenta a percepção de valor, possibilitando maior mark up e facilitando estratégias de up selling e cross selling, além de conferir a empresa maior pricing power.
O brand equity é o valor que é adicionado à marca da empresa pela sua reputação e por associações positivas - percepção de qualidade, lealdade e status, por exemplo. Uma bolsa Birkin, clássica da marca Hermès, tem um custo de produção de US$800 dólares, segundo Luca Solca, analista de equities no BNP Paribas. Seu preço, entretanto, parte dos US$12.000. Isso se deve a um extenso trabalho de marketing de luxo feito pela empresa - cujo modelo de negócios foi muito bem explicado pelo meu amigo Leo Caroli neste post, caso você tenha interesse.
Apesar do exemplo da Hermès, acredito que não tenha como falar sobre brand equity sem citar uma companhia listada responsável por tornar um certo francês o homem mais rico do mundo: a Louis Vuitton Moët Hennessy.
A LVMH
A LVMH é um conglomerado que conta com algumas companhias do mercado de luxo nos segmentos de moda, bebidas, acessórios, hotelaria, mídia, cosméticos e perfumaria. Entre algumas das marcas, podemos citar Veuve Clicquot, Dom Pérignon, Moët & Chandon, Louis Vuitton, Rimowa, Fendi, Dior, Givenchy, Tag Heuer, Tiffany & Co, Chaumet, Acqua di Parma, Guerlain, entre diversas outras.
Ainda que comportando diferentes frentes, o conglomerado LVMH é concentrado sobretudo no segmento de moda, sendo as marcas que mais cresceram no ano de 2022 Louis Vuitton, Christian Dior, Céline, Fendi, Loro Piana, Loewe e Marc Jacobs. O segmento de moda representa cerca de 50% da receita e 70% do lucro operacional. Deixei abaixo o IS dos últimos 5 anos e crescimento de EPS, para vocês darem uma olhada:
Tendo faturado 79 bilhões de euros em 2022 com uma impressionante margem bruta de 68% e ROE de 26%, a LVMH é a 15ª maior empresa em market cap no mundo (441bi euros) e possivelmente a maior referência em marketing de luxo e brand equity que existe hoje no mercado de public equities (tendo a Kering e Hermès como principais peers). Nas palavras do próprio Bernard Arnault, “o luxo do marketing de luxo são as margens”.
O modelo de negócios da LVMH, assim como da maioria das empresas do mercado de luxo, tem uma estrutura organizacional descentralizada, de maneira que a maioria das decisões do ponto de vista operacional é tomada pela gerência, não pelo top management. O modelo apresenta vantagens porque o processo de tomada de decisão é mais rápido, escalar o negócio é menos complicado, e possibilita que os C levels consigam focar mais na estratégia e menos na questão tática, no dia a dia do negócio.
Além disso, a companhia tem integração vertical, detendo supervisão de toda a cadeia de produção dos seus produtos, de maneira a manter o controle de qualidade. A LVMH também tem gastos substanciais em marketing e propaganda, para manter o “luxury dream” vivo, e tem um portfólio diversificado, não só do ponto de vista de mix de produtos, mas também do ponto de vista de geográfico.
Crédito: Infográfico da news do Genuine Impact, que sempre tem posts muito interessantes e lúdicos. Linkado dito no post sobre a companhia, caso tenham interesse. Dados referentes ao primeiro semestre/22.
Kapferer e Bastien sobre Brand Equity
Em The Luxury Strategy, de J.N. Kapferer e V. Bastien (excelente livro sobre o tema), podemos compreender um pouco mais sobre a construção de uma marca e como pode-se posicioná-la para o luxo. A lucratividade que as marcas de luxo entregam têm como chave a concentração de intangíveis que elas obtêm por um longo processo de branding.
O objetivo principal de posicionar uma marca para o luxo é aumentar não o lucro líquido da companhia, mas o valor da marca, o que difere bastante de estratégias tradicionais. O lucro aqui vira uma consequência desse trabalho. Essa estratégia é feita a partir da propaganda, dos embaixadores da marca, do “sonho” que o luxo vende de diferenciar as pessoas. No livro, Kapferer dá o exemplo perfeito com a BWM:
“BMW had reached 90% of their sales target for the next year automatically. But when the Head of BMW USA was asked whether he’s done for the year, he replied, ‘My job is to make sure that the 18-year-olds in this country decide that, as soon as they have the money, they will be buying a BMW. I have to see to it that when they go to bed at night they are dreaming of BMW.’”
Uma vez que o processo de precificação de um intangível é um tanto quanto subjetivo, empresas de luxo geralmente têm alto ROE (vide a própria LVMH), um fenômeno acentuado por uma alta lucratividade.
É interessante mencionar também que estas empresas posicionadas no mercado de luxo têm, historicamente, um alto P/E. Isso porque:
A marca é um ativo valioso, na medida em que possibilita (na teoria) alguma facilidade para entrar em novos mercados já com um bom posicionamento (por exemplo a Dior no lançamento de perfumes e maquiagens, que não é seu core business). O fato de uma marca ser algo difícil de se contabilizar (quanto vale a marca Dom Pérignon?), isso acaba afetando o preço da ação
Despesas com comunicação e marketing são bem mais altas e precisam ter manutenção constante para manter o “sonho de exclusividade, status e estratificação social” vivo. O maior dispêndio comprime a margem operacional, afetando também o lucro, tornando o P/E mais alto.
O próprio fenômeno psicológico de viesar a avaliação de uma companhia, especialmente aquela que se beneficia fortemente de customer captivity, pode tornar aquele valuation mais inflado.
Greenwald sobre Brand Equity
Como já dito acima, para Bruce Greenwald, um dos autores clássicos da literatura de value investing, brand equity não pode ser considerado por si só uma vantagem competitiva, na medida em que não confere a uma empresa barreiras de entrada.
“Essa é a diferença entre luxo e prêmio. Pessoas que compram ‘prêmio’ gostam de justificar a compra pelo retorno sobre o investimento. Prêmio significa pagar caro e conseguir mais benefícios funcionais. Luxo é outra coisa: sinaliza a capacidade do comprador de transcender necessidades, funções e benefícios objetivos.”
The Luxury Strategy
Greenwald argumenta em Competition Demystified usando como exemplo a estratégia de brand equity da Mercedes Benz.
A Mercedes, não consegue traduzir sua marca num modelo de negócios extremamente rentável em comparação a seus pares, se mostrando indistinguível do ponto de vista de lucratividade de outros modelos de negócios, que é o que se evita quando se busca uma ‘empresa ideal’ para investir - por questões de pricing power, LTV, CAC ou quaisquer outras a depender da indústria.
Exemplo do livro: Conforme a Cadillac se consolidava no ramo de automóveis de luxo depois da II Guerra, diversos novos entrantes (Jaguar, BMW, a própria Mercedes) passaram a concorrer naquele business. Como efeito, a receita e o market share daquelas empresas começaram a declinar. No entanto, por se tratarem de carros no segmento premium, o simples fato de novos entrantes não minou os preços dos carros num primeiro momento, sendo que a receita era minada apenas pela quantidade vendida. Concomitantemente, os custos e despesas fixas da estratégia de diferenciação - desenvolvimento de produto, ads e marketing por exemplo - começaram a pesar sobre a quantidade vendida na medida em que ficavam menos e menos diluídos. Como efeito, houve uma compressão na margem de lucro por carro, consequentemente comprometendo o retorno sobre capital investido.
O processo de diminuição do value spread neste caso difere de um business comoditizado pelo efeito na receita, mas o resultado na lucratividade é basicamente o mesmo.
O exemplo de Greenwald no setor automobilístico de luxo traz à tona uma máxima muito importante para a avaliação de empresas: a questão da eficiência como um auxílio para sobrevivência num mercado onde não há barreiras de entrada.
Apesar de parecer um tanto quanto trivial, a questão da eficiência se mostra de maneira diferente em indústrias comoditizadas e indústrias onde os produtos têm diferenciação. Quando se trata de commodities, a questão da eficiência pode ser resumida em tão somente controlar os custos de produção. Não existe dispêndio significativo com marketing, por exemplo. Quando se trata de um mercado em que existe diferenciação entre os produtos, a questão é um pouco mais complexa, porque é preciso ter não apenas controle de custos de produção mas também buscar eficiência no que diz respeito a todos os fatores que contribuíram para a construção da marca daquele produto (manufatura, estratégia de marketing, canais de distribuição, propaganda, desenvolvimento da embalagem, pesquisa de mercado, portfólio de produtos, etc).
Nesse sentido, Greenwald defende que brand equity só é uma vantagem competitiva significativa quando associada com economias de escala, que são decorrentes e alta eficiência, e ambos em conjunto criam de fato um moat forte frente a outros entrantes. Daí a necessidade de se distinguir o valor da marca, que está relacionado com o prêmio que os consumidores pagam a mais para adquirir aquele produto, do valor econômico, que é o retorno sobre o investimento que aquela marca ajuda a gerar. Johnny Walker tem muito mais valor de marca que a Coca Cola, mas também um valor econômico muito inferior a ela.
Greenwald exemplifica: primeiramente, existe um alto nível de formação de hábitos quando se trata da Coca-Cola (paradoxalmente, visto que não é uma bebida aditiva como o álcool). Uma pessoa que frequentemente bebe cerveja tende a variar muito mais a marca do que aqueles que bebem Coca-Cola durante as refeições. Isso se transpõe nos números em estabilidade num market share alto, um sinal de customer captivity. A Coca Cola também desfruta de economias de escala, o que associada à fidelidade do cliente, faz com que ela seja líder no segmento que atua, materializando uma vantagem competitiva sólida.
A mesma dúvida que tive ao conversar com este gestor, que gostaria de repassar para o interlocutor. Na sua opinião, a LVMH é uma Mercedes ou uma Coca-Cola?
Grata, mais uma vez, por abdicar de uma pequena fração do seu recurso mais precioso e escasso (seu tempo) e ler esse projeto!
Obrigada por ler!
Parabéns pelo post!
Brand Equity não é uma barreira de entrada, mas sim, um intangîvel a ser analisado por diferentes perspectivas.
A principal, talvez seja a PERCEPÇÃO DE VALOR.
A Toyota tem um sedã com belo design, tecnológico, de aspiração e status, o Crown. Mas, mesmo assim, os japoneses preferiam pagar mais caro num Mercedes.
A Toyota entendeu que por mais “luxuosos” que fossem seus carros, a marca não tinha status de Mercedes/BMW. Criaram então a Lexus.
Que usa a mesma base dos modelos Toyota, adicionando diferenciações em materiais, design e tecnologia.
Tanto em sedans como SUV’s, a Lexus segue bem nesse mercado.
Outra empresa que entendeu o público é a Fast Retailing, sucesso de “Fast Fashion” japonês com a marca Uniqlo, que atingia um público numa determinada faixa de preço, mas que “ficou caro”.
Para atender esse público anterior, criou a GU. Ao contrário da Toyota, fez um “downgrade” de produtos.
Um caso B2B, a Showa Denko, criou a Resonac, que é uma marca mais global, e que mostra seu posicionamento de líder numa das áreas mais quentes no mundo, a de semicondutores.
E mais a FujiFilm criou a Astalift, que tem valor enorme, baseado na sua experiência com filmes fotográficos. Antítese da Kodak.
Esses casos, mostram que a marca passa por constantes provas de percepção de valor. E a empresa precisa entender as aspirações do público para seguir investindo ou não nessa percepção de valor.
Ou criar novas marcas de valor, ou comprar, caso da LVMH.
Brand equity não é barreira de entrada, mas leva tempo para ser construído/destruído. Tomar a decisão certa é o maior desafio, ex-post, acertar como a FujiFilm, é para poucos nesse nível global.
Indo ao extremo, depois que a SpaceX fez um foguete que dá ré, difícil enxergar algo com barreira de entrada no decorrer do tempo.
O reflexo é pensar a LVMH pelo luxo. Mas a questão é que se trata de um conglomerado construído por um dos maiores alocadores de capital do seu tempo. Não dá pra pensar a LVMH sem ter isso na cabeça.
A gente olha pra Berkshire e o tema da alocação, por causa de Buffett, é logo o que pensamos. Esse não é o mesmo gatilho de pensamento que temos com a LVMH mas na essência é isso que ela é. É daí que deriva boa parte do seu valor econômico.
Difícil pensar que as marcas teriam o mesmo destino fora da umbrella de Arnault, ainda que mantivessem o alto valor de marca. Taí a Tiffany nos últimos dois anos. Eu acho que essa diferenciação das marcas + alocação da LVMH casa com o que Greenwald tenta passar. Outros casos tipo a própria Hermès já acho que são uma história um pouco diferente. Talvez pra um outro dia...
Parabéns pelo post!