Operários, Tarsila do Amaral, 1933.
Meus doces, bom dia.
Para quem vê de fora, a imagem do faria limer, um profissional do mercado financeiro brasileiro, pode ser de uma pessoa facilmente estigmatizada. Estigmatizada pelos seus trajes. Pela maneira de se portar. Pela maneira como se comunica. Pelos esportes que pratica. Pelo corte de cabelo. Não por acaso, os personagens do Murilo Tronco e do Fausto Carvalho (o “Jorginho” da Faria Lima) são amplamente conhecidos no nosso meio: eles satirizam nosso conjunto de símbolos, ritos, linguagem, ações e práticas sociais. O coletinho, a camisa social sob medida em azul-lavanda, o patinete elétrico (um pouco datado, mas ainda um clássico), o sapatênis, o cinto Ferragamo, o Apple Watch (ou Garmin), o beach tennis (ultimamente substituído por tênis de placa e bicicletas). Tudo isso são elementos do nosso grupo social. São parte da nossa cultura.
(E para ser brutalmente honesta, por favor, quando eu digo “parte da nossa cultura“, não entenda como se a utilização da palavra cultura em si mesma traga consigo um sentimento bairrista de que você deve se orgulhar do grupo social de que pertence - sim, muitas vezes deve, mas se o grupo social em específico não for paulista, mineiro, carioca, paranaense ou baiano, ou sua ascendência italiana, peruana ou libanesa, mas sim membro da Faria Lima, eu, humildemente, sugiro que você repense, porque são satirizados por algum motivo.)
Mas a pauta nesta newsletter não é do que você deve ou não se orgulhar. Vim falar sobre cultura. Cultura corporativa, melhor dizendo.
No ofício de avaliação de empresas - que é verdadeiramente um ofício, onde o conhecimento, sobretudo qualitativo, é testado a cada dia -, é normal que nos deparemos com questões um tanto quanto subjetivas, como governança, inovação, brand equity e a própria cultura corporativa.
A parte “corporativa” é simples. Mas do que se trata a cultura?
cul.tu.ra
conjunto de costumes, comportamentos e tradições que são partilhados por um determinado grupo social, abarcando um conjunto de símbolos, significados e valores, criando uma identidade cultural.
Por que isso é importante?
Se o ser humano, mesmo não sendo o ser mais forte ou mais ágil, subverteu as demais espécies e prosperou pela sua habilidade de comunicação. Somos, intrinsecamente, seres coletivos e dependentes, portanto, do nosso grupo social.
Émile Durkheim, ao estudar o suicídio, já dizia que o ímpeto de tirar a própria vida vinha de um sentimento profundo de desconexão do seu grupo social - através de um estudo empírico, percebeu que as pessoas que se suicidam em sua maioria eram pessoas solteiras, desempregadas, sem filhos, afastadas da família, distante de amigos etc. Diz-se que muitos dos nossos hormônios da felicidade, especialmente a oxitocina e a serotonina, têm uma relação intrínseca com nossa sociabilidade.
Há, portanto, uma importância gigantesca em se sentir parte de um grupo e pertencente a uma cultura. A formação de uma identidade criada a partir da cultura faz com que você se sinta pertencente a um grupo e portanto tenha necessidade de orgulhá-lo. Atrocidades diversas já foram cometidas a partir de sentimentos nacionalistas, religiosos ou quaisquer que sejam - sendo o ideal de nação e a comunidade religiosa, no fim, um compartilhamento de ritos e símbolos que fazem com que você se sinta pertencente a um grupo. A necessidade de orgulhá-lo é tão vívida que, por muitas vezes, faz com que algumas pessoas virem mártires, homens-bomba ou kamikazes. Tudo em nome do seu grupo e da sua causa. Pessoas que ceifam suas próprias vidas em nome de um coletivo ou um ideal.
A cultura cria uniformidade e um senso de propósito entre os membros de uma equipe. A necessidade de ‘remar junto em prol de um mesmo objetivo’, mesmo. A cultura é relevante para uma companhia porque afeta suas métricas quantitativas: mitiga turnover, otimiza recursos e aumenta a possibilidade de alcançar metas e resultados.
Tá aí algo extremamente subjetivo e um tanto quanto subestimado. O modo como uma equipe de gestão (lê-se, sócios e C-Levels) escolhe tratar a equipe impacta tudo: para melhor ou para pior.
Com certeza todos nós temos uma história fantástica de trabalho em equipe, orientada com um mesmo objetivo e curto prazo, que acabou dando certo. Com certeza temos também histórias desastrosas de ambientes corporativos caóticos orientados por uma equipe de gestão incompetente. Mas o ponto não é que compartilhemos nossas histórias, só que pelo menos um dos meus inscritos reflita - se fizer sentido - se uma cultura melhor definida poderia ter melhorado o resultado daquele problema que se apresentou para a organização.
A fim de criar uma cultura corporativa bem definida, acredito que uma companhia deve ter um senso de propósito. Onde estamos e onde queremos chegar. Uma marca específica? Um IPO? Um número? Um deal?
Acredito também que deve-se procurar definir a maneira como se trata os funcionários e ter uma perspectiva de crescimento (portanto de longo prazo) dentro da empresa. Remuneração através de equity, um spin off onde a pessoa possa ter maior poder de decisão ou o que seja.
Terceiro, possivelmente, um ambiente onde os funcionários se sintam seguros - se você leu o post sobre líderes, você já sabe do que estou falando.
Empresas compreendem que pessoas entram pelo dinheiro, mas dinheiro na grande maioria das vezes não é o único motivo pelo qual elas saem. Neste sentido me acometeu uma discussão que tive com uma amiga sobre um discurso que seu chefe deu à sua equipe - uma empresa dentro do mercado financeiro muito relevante no segmento em que atua - , após demitir um excelente funcionário, sócio, que gerava retorno para a companhia, mas que não tinha fit cultural:
“A pessoa que entrega e tem cultura merece ser recompensada, a fim de que continue fazendo um bom trabalho e dando o exemplo. Aquele que tem cultura, mas não entrega, você treina, para que possa futuramente entregar e bater as metas. Aquele que não tem cultura e não entrega é um erro seu como líder. Você errou em contratar aquela pessoa. No entanto, ela naturalmente vai acabar saindo pela falta de fit ou eventualmente você terá de demiti-la, mas tem algo mais urgente. Aquele que entrega, mas não tem a cultura. Essa é a pessoa mais danosa para a empresa. Porque entregando e não tendo fit cultural, ela dá o mau exemplo para outras pessoas, especialmente recém contratadas, de que elas não precisam da cultura contanto que entreguem. Isso gera um efeito cascata em toda a empresa. Desconfiança. Falta de união. Ambiente de stress. Falta de alinhamento com o propósito da companhia - afinal, desde que o bônus seja bom, o resto pouco importa. Esse sim deve sair da empresa imediatamente. Por isso, hoje é o último dia do fulano, etcetc”.
Líderes criam o ambiente corporativo e o ambiente deve criar segurança na medida em que as pessoas possam livremente circular ideias, dar e receber feedbacks e, nas palavra de Simon Sinek, muitas vezes fazer um tipo de confronto efetivo, que é aquele que ajuda a estimular um debate em busca da verdade e de achar um caminho mais eficiente para a obtenção dos objetivos e propósito da empresa. Neste sentido, uma pessoa que é danosa à cultura é muito mais nociva que aquela que num primeiro momento não entrega resultados.
Acham que faz sentido? Qual a importância da cultura da empresa e como parametrizar?
Obrigada, como sempre, por ler e por estarem aqui.
Clara Sodré
O equilíbrio entre resultados imediatos e a aderência à cultura corporativa é crucial para o sucesso sustentável de uma empresa. Colaboradores que entregam no curto prazo, mas não se alinham à cultura, podem corroer a coesão e a moral interna, criando problemas de longo prazo como desconfiança e turnover alto. Líderes devem focar não apenas em recompensar os resultados, mas em garantir que estes sejam alcançados de forma consistente com os valores da empresa, protegendo assim a integridade e a sustentabilidade da cultura organizacional. Priorizar o alinhamento cultural sobre o sucesso imediato ajuda a evitar que os benefícios de curto prazo se transformem em custos de longo prazo.
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